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Victor Cunha Rego: Um senhor


Como escreveu Maria João Avillez, “o Victor destoava. Via mais longe, antes dos outros e, pior, estava de boa fé e cultivava a ética.” Numa palavra, era um senhor.

João Carlos Espada João Carlos Espada

Director do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa. Director de Nova Cidadania

Um livro invulgar foi lançado, perante uma audiência invulgar, na passada quarta-feira, 11 de Abril, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. Trata-se de Na Prática a Teoria é Outra. Escritos 1957-99, de Victor Cunha Rego, editado por Vasco Rosa e André Cunha Rego, com Prefácios de José Cutileiro, Otávio Frias Filho, Manuel de Lucena e José Miguel Júdice. O livro, publicado pela D. Quixote, foi apresentado pelos dois editores, e por Maria João Avillez e José Cutileiro.

Felizmente, o Observador tem dado o devido destaque à iniciativa. Começou pela pré-publicação de alguns dos textos do livro. Seguiu-se a re-publicação de uma bela entrevista de Maria João Avillez a Victor Cunha Rego, originalmente publicada pelo jornal Público, em 1994. Finalmente, a muito oportuna publicação dos tocantes textos de apresentação da obra por Maria João Avillez e José Cutileiro.

Pouco ou nada poderei acrescentar ao que já foi dito e, sobretudo, tão bem dito. Mas gostaria de subscrever o apelo para que este livro possa ter a atenção que enfaticamente merece. Victor Cunha Rego foi uma figura maior da nossa vida cívica, jornalística, política e intelectual. Devemos-lhe sem dúvida uma homenagem sentida. Mas também é do nosso mais estrito interesse próprio (esclarecido) que recordemos a sua vida e a sua obra — e que tentemos aprender com elas.

Começou por recusar a ditadura acanhada de Salazar, para em seguida recusar a ameaça da ditadura comunista no Portugal pós-25 de Abril

Este livro é um excelente ponto de partida para essa tentativa de aprendizagem. Está organizado em três partes, que correspondem a três grandes períodos da vida e obra do autor.

Uma primeira parte, “Liberdade” (1957- 73), abrange sobretudo os anos de exílio no Brasil, onde Victor Cunha Rego se tornou um jornalista respeitado — e onde teve a felicidade de conhecer Ivonne Felman, a sua mulher encantadora. A terceira parte, “Os Dias de Amanhã” (1992-99), inclui basicamente as inesquecíveis crónicas da última página do Diário de Notícias.

A maior parte dos textos destas primeira e terceira partes já tinham sido publicados em livros autónomos, mantendo nesta edição conjunta os dois deliciosos prefácios originais: o primeiro, do director da Folha de S. Paulo, Otavio Frias Filho, o segundo, do próprio Victor Cunha Rego.

Existe, no entanto, uma segunda parte que contém textos nunca antes reunidos em livro. Intitula-se “A hora H”, com dois prefácios luminosos de Manuel de Lucena e de José Miguel Júdice, e reúne basicamente os textos do Semanário (1983-91), além da mais efémera A Tarde (1981-83) e alguns do Diário de Notícias no imediato pós 25 de Abril (1975-76).

Para o leitor não familiarizado com a vida e a obra de Victor Cunha Rego, talvez o melhor roteiro para a entrada neste livro volumoso (856 páginas) seja a leitura inicial dos magníficos prefácios — a começar pelo tocante texto de José Cutileiro, que na verdade serve de Prefácio a toda a obra.

Ao ler estes textos prefaciadores, a figura singular de Victor Cunha Rego começa a emergir, para aqueles que não o conheceram, ou a voltar comoventemente à memória, para os que tiveram o privilégio da sua amizade. E é, de facto, uma imagem singular de um homem invulgar.

Basicamente, Cunha Rego recusava a tirania. Como recordou José Cutileiro, citando Victor Cunha Rego, “A liberdade ou existe dentro de nós ou não é possível encontrá-la numa vitrine, comprá-la e pô-la no colo”. Começou por recusar a ditadura acanhada de Salazar, para em seguida recusar a ameaça da ditadura comunista no Portugal pós-25 de Abril. Foi aí que convergiu com Mário Soares. Em seguida, convergiu com Sá Carneiro e prosseguiu o seu legado — na recusa de uma democracia incompleta, quando amputada de um dos seus dois pilares fundamentais, uma direita democrática autónoma, em concorrência civilizada com uma esquerda democrática autónoma. Finalmente, terá re-descoberto a fé cristã, uma das fontes incontornáveis da liberdade do Ocidente.

Como escreveu Maria João Avillez, “o Victor destoava. Via mais longe, antes dos outros e, pior, estava de boa fé e cultivava a ética.” Numa palavra, era um senhor.

Texto inicialmente publicado no Jornal Observador.


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