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A Minha Mãe, Gertrude Himmelfarb

William Kristol

William Kristol

Fundador e antigo Editor, The Weekly Standard, Washington, D.C

TRADUÇÃO Jorge Miguel Teixeira

Os meus pais, Irving Kristol e Gertrude Himmelfarb, mudaram-se de Nova Iorque para Washington em 1987. O meu pai escreveu sobre a sua mudança na New Republic porque, excusado será dizer, quando se é um intelectual não se muda simplesmente de cidade, como o fazem dezenas de milhões de americanos todos os anos. Tem de se analisar e explicar o significado da mudança. Excusado será dizer também que, sendo o meu pai o meu pai, o seu artigo é irónico e espirituoso. O meu pai descreveu-o como uma ‘’explicação profunda e sociológica do porquê de eu e a minha mulher termos decidido deixar Nova Iorque e instalarmo-nos em Washington, D. C. (ninguém parece dar crédito aos motivos mais óbvios; dois filhos e três netos).’’ E, vindo do meu pai, o artigo é uma peça interessante e perspicaz – até profunda – sobre Washington e Nova Iorque, e sobre política e cultura norte-americana em 1987.

De facto, os meus pais comentaram na altura em privado que um dos principais motivos para a mudança era que pensavam que os ajudaria a permanecer novos e mais frescos de espírito. E recentemente, a minha mãe, a reflectir sobre a mudança, notou o quão verdadeiro isso se mostrou. Obviamente que continuaram a desfrutar da companhia dos velhos amigos da sua geração, mas também vieram a apreciar os seus amigos mais novos de Washington, como gostaram de travar novas amizades. Tratavam pessoas 25 ou 50 anos mais novas como iguais, e tinham gosto em falar e aprender com eles.

A minha mãe estava interessada nos interlocutores mais novos; como um amigo o pôs num email, ela ‘’estava sempre interessada em comentários culturais da geração dos nossos filhos.’’ Susan, a minha mulher, e eu, a minha irmã Liz Nelson e o seu marido Caleb, os meus primos e os nossos amigos lembramo-nos das reuniões de família e outras ocasiões com a minha mãe a inquirir os seus netos e sobrinhos-netos, bem como os filhos de amigos, sobre vários assuntos relacionados com as maneiras e costumes da geração mais nova.

Tudo isto ajudou a manter a minha mãe nova de espírito. A minha mãe, conhecida toda a vida como Bea, estudou o passado e respeitou o passado. Mas não vivia no passado; vivia no presente. A sua curiosidade intelectual, mesmo na idade mais velha, era impressionante. Ela queria aprender sobre coisas que não sabia, como estava pronta a revisitar as suas opiniões. Decidiu, por exemplo, nos anos 90, corrigir uma sua opinião, onde preferia Trollope a Dickens. (E eu acrescentaria que ela também pensou que os romances de Trollope eram demasiado longos e podiam beneficiar de alguma edição. Claro que, como historiadora, ela sabia que ele não aceitaria essa edição – era pago à palavra.)

Muitos dos obituários e apreciações da minha mãe que vieram a ser publicados focam-se naturalmente nos seus feitos, nas visões que expressou e nos escritos que nos deixou. Mas aquilo que possibilitou esses feitos foi um aspeto do seu caráter que não era imediatamente óbvio, um que a Susan chamou há pouco de ‘’ousadia’’. Envolvia um elemento de rebelião, de livre-pensamento, de vontade de desafiar a ortodoxia e a sabedoria convencional.

Podemos fazer sentido disto numa memória privada dos seus pais que a minha mãe escreveu para a nossa família. No curso de elogiar os seus pais por terem apoiado as suas aspirações académicas quando era nova, ela explica o quão notável era o facto dos seus pais lhe terem dado a mesma educação hebraica, enquanto rapariga, que o seu irmão Milton havia recebido. A minha mãe continua: ‘’Como o meu irmão, eu segui para o Seminário Teológico Judaíco (enquanto frequentava o Brooklyn College). Isto foi inteiramente a minha decisão – por si só uma anomalia porque, por esta altura, na verde idade dos 16 anos, era uma trotskista convicta. Não consigo bem compreender como consegui acomodar trotskismo e zionismo, marxismo e respeito pelo judaísmo – mas isso é outra questão.’’ Devo dizer que teria sido muito interessante se a minha mãe tivesse escrito sobre esse assunto.

E acrescentou ainda este detalhe: ‘’Mesmo para um rapaz, o STJ era uma escolha atrevida, quase herege; o facto de o meu irmão ter lá ido teve de ser escondido do meu avô ortodoxo, que tinha uma perspectiva céptica em relação àquela instituição conservadora (‘O Seminário de Schechter’, como era conhecido). Mas, para uma rapariga, daquela família e naquelas circunstâncias, era ainda mais notável. As pequenas despesas adicionais – o dinheiro para a viagem de metro de Brooklyn College para Manhattan vários dias por semana, um jantar modesto numa cafetaria, a propina de cada período (como o meu irmão, eu tinha uma bolsa) – não eram insignificantes naqueles tempos difíceis...’’

A minha mãe queria com isto elogiar a educação que os seus pais lhe deram. Mas também providencia-nos, discreta e mo- destamente, uma janela para o seu próprio caráter. E foi o caráter, bem como a força da sua mente, que a levou a estar disposta e de facto inverter as visões convencionais sobre autores como Lord Acton e John Stuart Mill, repensando e revivendo uma série de mentes vitorianas, bem como outras de outras eras, abordando tantos assuntos de uma maneira tão inovadora. Sempre me impressionei com o facto da minha mãe ter de facto repensado as suas próprias visões sobre Edmund Burke e Mill, publicando novos artigos que desafiavam explicitamente e corrigiam as suas visões anteriores. Isto é uma combinação de coragem e modéstia rara entre académicos e intelectuais – e entre o resto também.

A minha mãe tem uma reputação – e bem justificada – enquanto defensora da moralidade vitoriana ou, por outras palavras, que era como ela o dizia, dos modos e costumes vitorianos. Mas as suas defesas eram complicadas e qualificadas. A minha mãe não era moralista; atrever-me-ia a dizer que ela acreditava que a moralidade era demasiado importante para ser deixada aos moralistas. Nem era excessivamente nostálgica por uma passado cujas falhas e limitações ela conhecia bem. Ela simplesmente tinha uma boa ideia, ao contrário de alguns dos nossos contemporâneos, das falhas e limitações do presente.

Outra maneira de o dizer, talvez, é que a minha mãe combinava padrões exigentes com uma compreensão mundana da maneira de como as pessoas são. Ou poder-se-ia dizer que, de um modo invulgar, no seu trabalho público e vida privada, a minha mãe procurava reconciliar padrões conservadores com uma tolerância liberal.

Uma coisa para o qual ela não tinha paciência eram as várias formas de iliberalismo. Discuti com ela, já perto do fim da sua vida, mais do que uma vez, se o termo outrora prestigiado de ‘liberal’ devia ser recuperado à luz da recente decadência do liberalismo e a presente degeneração do conservadorismo. Ela estava aberta à ideia e encourajou-nos, enquanto mais novos, a explorá-la. Isto é, portanto, uma tarefa que ela nos deixou.

Estudou o passado e respeitou o passado. Mas não vivia no passado; vivia no presente. A sua curiosidade intelectual, mesmo na idade mais velha, era impressionante

A Minha Mãe, Gertrude HimmelfarbSe a minha mãe era uma pensadora refinada e subtil, cuja vida e escritos mostram que a força moral e a curiosidade intelectual podem andar de mãos dadas, ela era também uma pessoa modesta, atenciosa e graciosa, como tantos emails e chamadas de amigos confirmaram nos últimos dias.

Aqui está um dos emails, de um dos meus primos:

‘’Fico muito triste com esta notícia. A Bea foi uma figura tão importante na minha vida e é difícil de compreender que ela nos deixou. Admirei-a tremendamente e, quando eu era mais novo, ficava sempre um pouco intimidado por ela; ela era brilhante e aprendeu todas as coisas que eu aspirava a ser. Mas, à medida que envelheci, fui além da admiração e cheguei a amá-la, porque era sempre tão amável e atenciosa. Para mim, isso era o facto mais notável sobre ela, que era bem mais raro que o seu brilhantismo. Ela interessava-se por tudo o que eu fazia, independentemente da sua trivialidade. Eu adorava visitá-la em Washington e discutir livros, política e o declínio de praticamente tudo... ela será sempre um modelo em como pensar, agir e envelhecer graciosamente para mim.’’

Em 2011, a minha mãe publicou o seu último livro (embora houvesse ainda artigos, ensaios e coleções de ensaios por publicar). Era um estudo sobre as atitudes britânicas em relação aos judeus e ao judaísmo, desde Cromwell a Churchill. O seu irmão e o seu marido tinham morrido recentemente; muitas das suas visões tinham perdido popularidade; ela não estava contente com a direção para a qual a nossa política e cultura se pareciam mover. E estava prestes a completar 90 anos. Algum pessimismo e cansaço com o mundo era compreensível.

E, ainda assim, concluiu o epílogo do livro dizendo:

‘’O meu irmão, Milton Himmelfarb, num dos seus últimos ensaios, refletiu sobre a questão, ‘’No que é que eu acredito?’’ Ele concluiu citando o hino israelita Hatikvah, ‘’A nossa esperança não se perdeu.’’ Estas palavras, lembra-nos ele, foram uma resposta aos contemporâneos de Ezekiel que, há mais de dois mil e quinhentos anos atrás havia, com desespero, dito que ‘’pereceu a nossa esperança.’’ ‘’A esperança’’, observou o meu irmão, ‘’é uma virtude judaica.’’

Agora que lamentamos a sua morte e a nossa perda, penso que a minha mãe quereria que nós o tivéssemos em mente: a esperança é uma virtude judaica.


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