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Na “casa das máquinas” da União Europeia

José Manuel Durão Barroso

José Manuel Durão Barroso

Antigo presidente da Comissão Europeia, Director do Centro de Estudos Europeus do IEP-UCP, Conselho Editorial Nova Cidadania

Algumas palavras de genérico enquadramento sobre a presidência do Conselho da União Europeia, sobre as presidências portuguesas e sobre também o contexto em que se vai realizar esta Presidência portuguesa do Conselho da União Europeia.

Sr. Primeiro Ministro, Sra. Reitora da Universida- de Católica Portuguesa, Sr. Director do Instituto de Estudos Políticos, Srs. Professores, Caros Alunos, Minhas senhoras e meus senhores...

Sr. Primeiro Ministro, queria em primeiro lugar fazer minhas as palavras da Sra. Reitora, Professora Isabel Capeloa Gil, agradecendo-lhe muito reconhecidamente a resposta afirmativa que nos quis dar para vir aqui, à Universidade Católica Portuguesa, ao Instituto de Estudos Políticos e ao Centro de Estudos Europeus apresentar as grandes linhas da Presidência portuguesa do Conselho da União Europeia neste primeiro semestre de 2021.

Para nós, no Centro de Estudos Europeus, isso reveste-se de especial significado, visto que acompanhamos de forma muito directa a evolução da União Europeia e, especialmente, a participação de Portugal no âmbito europeu.

O objectivo desta sessão é ouvir o Sr. Primeiro Ministro por isso não tomarei muito tempo, mas queria apenas - até para responder àquilo que são as expectativas dos nossos estudantes - dizer algumas palavras de genérico enquadramento sobre a presidência do Conselho da União Europeia, sobre as presidências portuguesas e sobre também o contexto em que se vai realizar esta Presidência portuguesa do Conselho da União Europeia.

Em primeiro lugar, a presidência do Conselho da União Europeia depois do Tratado de Lisboa não é a mesma de antes do Tratado de Lisboa. Continua, a meu ver, a ser muito importante visto que é um elemento essencial da apropriação da União Europeia pelos seus Estados-Membros e, portanto, pelos nossos cidadãos que obviamente se revêem sobretudo nos seus próprios mecanismos de acompanhamento da União Europeia.

É um elemento essencial dessa apropriação da União Europeia, diria, que haja esta rotação. Havia quem pensasse que era melhor não haver rotação pelos países. Eu continuo a pensar que é essencial que cada um dos nossos países, grande ou pequeno, novo ou antigo Estado Membro, do chamado centro ou da chamada periferia, mais rico ou menos rico, que cada um dos nossos países tenha durante seis meses periodicamente a oportunidade de estar no centro, “na casa das máquinas” da União Europeia. É talvez uma Presidência com menos glamour ou menos glória do que aquelas em que o país que exercia a Presidência se ocupava da condução de todas as instituições.

A partir do Tratado de Lisboa temos - e penso que introduzimos essa figura em boa hora - um Presidente permanente do Conselho Europeu. Permanente, enfim, filosoficamente diríamos que não há nada de permanente... É um Presidente do Conselho que tem no máximo dois mandatos de dois anos e meio. Actualmente, o actual presidente belga Charles Michel que sucedeu ao ex-primeiro ministro da Polónia, Donald Tusk, que sucedeu àquele com quem trabalhei durante o meu segundo mandato, o ex-primeiro ministro também belga Herman Von Rompuy. Isso dá uma continuidade ao Conselho Europeu que eu penso que é no essencial positiva para as instituições.

Aliás, diferentemente de muitos que vêem a afirmação de uma instituição à custa das outras, eu conto-me entre aqueles que pensa - porque sou, de facto, institucionalista, - que devemos, na medida do possível, reforçar todas as instituições. Não é contra a Comissão Europeia que o Conselho Europeu se reforça, ou o Parlamento Europeu se reforça. Podemos reforçar-nos mutuamente, instituições europeias, se de facto observarmos as regras, as regras do Tratado e todas as regras e princípios do Direito Europeu.

A verdade é que temos um Presidente do Conselho permanente, mas em todas as formações do Conselho há uma rotação e obviamente que os Ministros que representam Portugal nas diferentes formações do Conselho vão seguir as orientações do Primeiro Ministro.

Assim sendo será, na realidade, o Primeiro Ministro de Portugal que vai dirigir, obviamente em conjunto com as instituições da União Europeia, a União Europeia durante os próximos seis meses, de Janeiro a Junho de 2021.

Temos também, como portugueses, um bom registo de presidências.

Já tivemos três presidências: em 1992, com o Primeiro-Ministro Cavaco Silva, uma presidência que foi marcada pelo Tratado de Maastricht, assinado durante a nossa Presidência. Tivemos no primeiro semestre de 2000, com o Primeiro-Ministro António Guterres, não apenas o lançamento da estratégia de Lisboa mas também o Tratado de Nice, com negociações que eu na altura acompanhei muito directamente porque era líder da oposição. O Governo, que na altura não tinha maioria, tinha necessidade e fê-lo, aliás, de agregar directamente a oposição ao compromisso final que se conseguiu em Nice. Foi um momento muito interessante.

Tivemos no segundo semestre de 2007 outra presidência, com o Primeiro Ministro José Sócrates. Se me permitem a observação pessoal, na altura como Presidente da Comissão Europeia também segui isto de forma muito empenhada. Foi obviamente marcada pelo Tratado de Lisboa, assinado aqui em Lisboa no Mosteiro dos Jerónimos e também por alguns momentos importantes, como a primeira Cimeira da União Europeia com o Brasil, e também uma importante Cimeira com África.

Na “casa das máquinas” da União EuropeiaParece-me essencial que a União Europeia e o Reino Unido, num momento em que a ordem geopolítica e geoeconómica mundial está cada vez mais instável e mais imprevisível, se mantenham o mais próximos quanto possível respeitando os resultados do referendo britânico

E vamos ter agora a Presidência portuguesa com o Primeiro Ministro António Costa. Evidentemente, seria interessante saber qual será o evento principal, mas isso não antecipo àquilo que o Primeiro Ministro irá dizer aqui.

Umas observações muito rápidas sobre o contexto desta Presidência.

Temos obviamente momentos importantes. Em primeiro lugar, a questão da pandemia. Infelizmente não estará atrás de nós, vamos estar ainda num período de pandemia que irá com certeza marcar esta Presidência. Não apenas na resposta do ponto de vista de saúde pública porque não estará resolvido o problema nestes primeiros seis meses de 2021, apesar de haver notícias encorajadoras em termos de vacinas. A verdade é que haverá desde logo que assegurar a distribuição de vacinas não apenas no nosso país mas na união Europeia e até no mundo.

Temos também a resposta do ponto de vista económico e social. É já de conhecimento público a Cimeira social que o Governo está a preparar no Porto em Maio, mas será também necessário ver, e espero que seja ainda antes da Presidência portuguesa até ao final deste ano, como evitar este obstáculo que está a ser colocado por dois países que não aceitam a entrada em vigor do orçamento plurianual e também do programa de recuperação por causa de questões ligadas ao Estado de Direito e à forma como o Estado de Direito é tratado na União Europeia.

Temos também temos o início da administração Biden nos Estados Unidos da América.

Sei por experiência própria que as dificuldades no relacionamento entre a União Europeia e os Estados Unidos da América não começaram com a actual administra- ção. Havia já tendências anteriores, que mostravam menos investimento político dos Estados Unidos na União Europeia. Mas a verdade é que Joe Biden se tem mostrado orgulhoso das suas origens europeias, nomeadamente irlandesas. Biden irá concerteza proporcionar um maior compromisso dos Estados Unidos da América do Norte com uma ordem multilateral e também, espero, com a União Europeia.

Será portanto a ocasião ideal, e tenho a certeza que o Sr. Primeiro Ministro está a pôr isto nas suas prioridades, para um reset das relações dos Estados Unidos com a União Europeia. Não apenas com a União Europeia, diria também no âmbito da NATO - mas agora estamos a tratar mais do caso da União Europeia.

Na “casa das máquinas” da União EuropeiaSerá necessário ver também o que se pode fazer em termos de comércio, agora que foi assinado um importantíssimo tratado de comércio com quinze países da Ásia-Pacífico. Houve de facto um ‘brinde’ dado pelo Presidente Trump à China quando pôs fim ao acordo Transpacific Partnership, ao acordo do Pacífico, que levou agora a que a China conseguisse um acordo onde é potência dominante com o Japão, a Coreia do Sul, a Austrália, a Nova Zelândia e com dez países da ASEAN. Esta nova forma de olhar o comércio é essencial. A União Europeia, sobretudo, arrisca-se a perder o poder regulatório que tem, de definir os standards, se não estivermos num dos maiores acordos multilaterais, o que me leva obviamente a supor e a desejar que seria útil que a União Europeia e os Estados Unidos colaborassem no domínio do comércio.

E, finalmente, o pós-Brexit. Já acabou a participação do Reino Unido na União Europeia, já estamos em pós-Brexit, estamos no final do período transitório. Saberemos em breve se haverá ou não um acordo de comércio, um acordo de mercadorias. Será um acordo minimalista mas de qualquer maneira seria útil, penso, que houvesse esse acordo nem que seja para evitar ressentimentos pela frustração que geraria um não acordo e também para permitir que houvesse um ponto de partida sobre o qual depois se construirá, espero. Parece-me essencial que a União Europeia e o Reino Unido, num momento em que a ordem geopolítica e geoeconómica mundial está cada vez mais instável e mais imprevisível, se mantenham o mais próximos quanto possível respeitando os resultados do referendo britânico. Pode ser agora ou não, de qualquer maneira vai ser na Presidência portuguesa e com o Primeiro-Ministro António Costa que vamos definir os primeiros momentos do estado de pós-Brexit e as relações União Europeia com o Reino Unido.

Já vai longa a minha introdução, mais longa do que eu queria.

Mas queria de qualquer maneira terminar desejando ao Sr. Primeiro Ministro os maiores sucessos para a Presidência da União Europeia e mais uma vez agradecer muito reconhecidamente a honra que nos dá de vir aqui à Universidade Católica anunciar as linhas da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia de 2021. Muito obrigado pela vossa atenção.

Discurso proferido na Universidade Católica a 23 de novembro de 2020.


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