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Palestra Conversas sobre a Europa - Política Externa da União Europeia

Herman Van Rompuy

Herman Van Rompuy

Presidente European Policy Center. Primeiro-Ministro da Bélgica (2008-2009). Presidente do Conselho Europeu (2009-2014)

Comunicação apresentada na Aula Aberta online com José Manuel Durão Barroso a 2 de Junho de 2020.

No campo da política externa existem diversos atores na União porque temos 27 estados-membro soberanos, bem como as instituições da UE. A política externa em si é um conceito múltiplo, porque cada área específica, tal como o comércio internacional ou o clima, tem uma dimensão externa.

O Presidente do Conselho Europeu (PEC) representa externamente a União em todas as matérias de negócios estrangeiros e segurança, com a exceção das competências do Alto Representante. O Presidente da Comissão representa a União em todas as áreas remanescentes. Este foi o motivo pelo qual os Presidentes do Conselho Europeu e da Comissão receberam, em dezembro de 2012, o Nóbel da Paz em representação da União.

Os Comissários para o Comércio, para o Clima, para a Economia e para as Finanças representam um papel importante a nível internacional, para não dizer global. Estes agem no contexto de mandatos concedidos pelo Conselho.

O Presidente do Banco Central Europeu (BCE) também desempenha um papel global enquanto responsável pelo euro, a segunda moeda mais usada no mundo. O Presidente do Eurogrupo participa em todas as principais discussões globais.

O Alto Representante desempenha um papel especial tanto enquanto Vice-Presidente da Comissão e como Presidente do Conselho dos Ministros dos Negócios Estrangeiros: o chamado ‘’duplo chapéu’’. Isto faz da posição interessante. Eu apenas trabalhei com Cathy Ashton, que era ativa principalmente no contexto do Conselho, e menos na Comissão. Federica Mogherini valorizou igualmente ambos os papéis. Ambos os órgãos desempenharam, por exemplo, um papel importante nas negociações sobre a desnuclearização do Irão. Contudo, nas duas principais questões de política externa na altura do meu mandato, a Ucrânia e a Líbia, o principal papel foi desempenhado pela Comissão e pelo próprio Conselho Europeu. As grandes decisões serão sempre executivas.

Quando os desafios políticos são grandes, o Conselho Europeu desempenha um papel central. Contudo, o método varia consoante o assunto e as circunstâncias.
O PEC e o Presidente da Comissão representam a União em cimeiras bilaterais com os 8 parceiros estratégicos e em cimeiras multilaterais tais como a ASEM, a CELAC ou as cimeiras EU-AU; representam a União nos G7 (dos quais a UE é um membro) e nos G20. A repartição dos papéis dos dois Presidentes foi acordada para cada um em linha com as suas competências. A cimeira dos G7 deu-se em junho de 2014 no edifício do Conselho Europeu, confirmando a importância das instituições da UE.

Adicionalmente, não foi fácil permitir que os dois Presidentes estivessem pre- sentes nos encontros dos G7 e dos G20 ao lado de alguns Estados-membro centrais na UE. Não era sequer evidente para alguns Estados-membro! A unicidade da UE foi assim reconhecida: a combinação da Comunidade com a dimensão intergovernamental. Desde 2011 que o PEC tem falado na Assembleia Geral anual da ONU, nos lugares reservados aos Chefes de Estado e de Governo, embora a UE não seja formalmente um membro da ONU.

Palestra Conversas sobre a Europa - Política Externa da União EuropeiaGostaria agora de falar brevemente sobre os G7 e os G20.

Diz-se por vezes que os G7 já pouco significam, visto que o balanço de poder no mundo mudou. Agora os G20 são especialmente importantes. A verdade é que os encontros dos G7 na altura do Presidente Obama eram produtivos e bastante interessantes, mas a relevância dos G7 praticamente desapareceu sob o Presidente Trump, devido às divisões no seio do campo ocidental. Os G20 sofrem da crise do multilateralismo. Tornou-se num fórum de discussão ao invés de um centro de tomada de decisões, que é o que era durante a crise bancária.

Nos últimos três anos, criou-se um novo ator em representação da UE no mundo. Foi dado um papel especial ao Negociador-Chefe do Brexit, nomeado pelo Conselho Europeu e trabalhando sob um mandato do mesmo órgão. Ainda assim, foi um nome proposto pela Comissão. Na prática é a Comissão que lidera as negociações ao mais alto nível – directamente com o Primeiro-Ministro britânico. Aqui falamos a uma só voz.

Falar a uma só voz é melhor alcançado quando os poderes residem claramente na Comissão (como no comércio e no clima) ou no BCE, e quando há um consenso real dentro do Conselho Europeu (como no Brexit ou nas sanções sobre a Rússia).

Escusado será dizer que os Estados-membro estão também a desenvolver as suas próprias iniciativas (a conferência sobre a Líbia em Berlim, em Janeiro de 2020; os acordos de Minsk sobre a Ucrânia em 2015). Por vezes, as instituições europeias estão envolvidas, por vezes não. Em questões militares, os Estados-membro desempenham evidentemente um papel chave face às suas competências. A França interveio no Mali e na República Centro-Africana, por exemplo, sem que tivesse para isso um mandato do Conselho. Na intervenção de 2011 na Líbia, a França, o RU e outros operaram sob mandato do Conselho Euro- peu (e do Conselho de Segurança da ONU, CSONU). Contudo, a UE enquanto tal tem um conjunto de operações civis e militares que têm o seu próprio comando europeu. A falta de um braço militar plenamente desenvolvido por si mesmo é por vezes uma deficiência da política externa europeia no sentido mais estrito da palavra.

Um exemplo desta interação complicada entre os Estados-membro e as instituições europeias foi a intervenção na Líbia em 2011. Isto foi possível devido à decisão do Conselho Europeu em março de 2011. Foi uma posição unânime, mas sem muito entusiasmo por parte da Alemanha (que, já agora, se absteve no CSONU). Contudo, algumas condições tiveram de ser cumpridas, tais como o apoio regional por parte da Liga Árabe e um mandato do Conselho de Segurança. Uma vez cumpridas as condições, a operação foi lançada por França em primeiro lugar, em conjunto com muitos Estados-membro e a NATO, mas a última não par- ticipou logo no início. O CE não se envolveu mais na operação. Começou por se proteger os civis em Bengazhi e acabou-se em mudança de regime. Muitos, incluindo o Presidente Obama, perguntaram-se depois sobre a utilidade da intervenção. O problema das migrações foi claramente agravado depois de 2011 devido à partição de facto da Líbia.

O fiasco na Líbia levou a uma grande relutância por parte da UE e dos EUA em intervir na Síria. Durante o meu mandato, ocorreu um incidente em 2013 com o uso de armas químicas por parte do regime de Assad, sobre o qual o Presidente Obama tinha desenhado uma linha vermelha, ameaçando com uma resposta americana na eventualidade de ser ultrapassada. A UE estava dividida quanto a possíveis contramedidas, mas os EUA decidiram eventualmente não intervir. A Alemanha opunha-se especialmente a ação militar, visto que estavam já relutantes quanto à intervenção na Líbia. Mais tarde, o Presidente Trump também evitaria esse passo. Foi um bom exemplo da nova atitude americana na eventualidade dos seus interesses diretos não estarem sob ameaça.

Para definir o papel da UE ao nível mundial, é primeiro necessário definir um conjunto de conceitos.

Depois do fim da Guerra Fria, e claramente depois das alterações induzidas por Obama e ainda mais pelo seu sucessor, já não se pode falar de supertpotências geopolíticas. A vontade e os meios de se ser ativo em todos os continentes e de procurar mudanças de regime, se necessário por meios militares, desapareceu. Já mal existem esferas de influência. Ninguém quer ou pode controlar o mundo. Vivemos um mundo a-polar. Infelizmente, existe uma grande falta de confiança entre os principais atores globais. Esta confiança diminuida piorou desde que deixei as minhas funções.

A geopolítica entrou em declínio porque falhou. A geopolítica era, na altura, equivalente a intervenção militar. Os fracassos sucessivos dos EUA (Vietname, Iraque) e da União Soviética (Afeganistão) ou da Rússia (agora a olhar para a Síria) mostram o descrédito em que caiu desse estilo de geopolítica.

Palestra Conversas sobre a Europa - Política Externa da União EuropeiaO poder ou influência depende também da política doméstica. Nos EUA, as prioridades dirigem-se agora para problemas internos, como as desigualdades crescentes ou o empobrecimento da classe média (branca). A União Soviética perdeu 100 milhões de habitantes e experienciou uma mudança de regime devido a uma implosão interna.

O termo ‘geopolítica’ costuma ser usado de uma forma inapropriada. As ações da Rússia na Ucrânia, na Síria ou na Líbia, por exemplo, são regionais, limitadas em escopo e pouco significantes para as relações de poder globais. Afinal de contas, a Síria é um pequeno país que já nem economia tem, visto que uma grande parte dos seus cidadãos fugiram do país.

Desde o fracasso no Iraque que os EUA se focaram cada vez mais em defender interesses americanos. Isto é muito característico no Médio Oriente, onde o seu principal objetivo é combater e destruir o Estado Islâmico, além de assegurar a segurança de Israel através de, entre outras coisas, enfraquecer o papel do Irão, seja através de meios diplomáticos ou económicos, mas não militares. Controlar o Médio Oriente em si já não é um objetivo estratégico desde que os EUA se tornaram num exportador líquido de petróleo e gás natural.

A recente guerra comercial é um meio de cumprir objetivos geopolíticos de uma forma não militar. Mas os meios começam a alcançar os seus limites, pois também afetam a própria economia no contexto interdependente em que vivemos.

A China optou por um papel geoeconómico que aumenta a sua influência, mas este papel não é comparável com o das duas superpotências da Guerra Fria. A influência crescente da China é baseada na sua força económica e não na sua força militar (que está, contudo, em grande expansão). No geral, as relações de poder são agora mais económicas do que militares. Devo acrescentar que a China tem uma forte presença militar no Extremo Oriente, e não exclui violar a lei internacional se isso servir os seus interesses. Existe, de qualquer modo, uma grande diferença do ponto de vista das intervenções militares.

Durante a minha presidência, a UE tinha uma relação construtiva com a China. Eles eram favoráveis a um euro estável no meio da crise da eurozona até porque, para eles, o mercado único era muito importante para o seu crescimento baseado em exportações. A UE é o maior parceiro comercial da China, e a China é o segundo maior parceiro comercial da UE depois dos Estados Unidos. Do ponto de vista do comércio internacional, já existiam fricções há dez anos que tinham sido resolvidas através de consultas diversas, mas muitas outras permaneceram. Em 2013, tomou-se a decisão de chegar a um acordo formal sobre investimento, mas não se obteve ainda resultados. Entretanto, aumentaram as tensões devido à aquisição de empresas estratégicas em países da UE por parte de companias (do Estado) chinesas, e devido à controvérsia em torno da Huawei e do 5G por motivos de segurança. Resumidamente, a relação entre a UE e a China está hoje sob uma pressão muito maior. Os contatos diretos da China com 16 países europeus (nem todos da UE) podem fomentar mais desconfiança. Os Estados-membro colocaram diferentes ênfases nas suas relações com a China. Os investimentos em infraestruturas, por exemplo, são muito importantes para alguns países, tanto que alguns entraram em compromissos (MOU) no âmbito da iniciativa Belt and Road. Contudo, a abordagem da UE e dos EUA divergem completamente. A UE não está a combater uma guerra de tarifas. Mantém-se em diálogo com a China que sim, é um competidor e um rival sistémico mas também um parceiro em bastantes dossiers (como o Irão ou as alterações climáticas). Uma importante cimeira UE-China irá ocorrer em Leipzig em setembro, no contexto na presidência alemã do Conselho.

Tipicamente, a UE recusou juntar-se à Austrália, ao Reino Unido e aos EUA na sua ameaça de sanções na sequência da nova lei de segurança para Hong Kong. A ideia de blocos [políticos] também desapareceu ou encontra-se em regressão. O ‘Ocidente’ não tem sido um conceito forte desde a presidência de Trump. Os EUA procuram enfraquecer a UE ao apoiar o Brexit e relativizar a solidariedade atlântica. Por esse motivo, a UE tem trabalhado em mais cooperação militar, como no enquadramento da PESCO. A cooperação através da PESCO tem sido fortemente criticada pelos EUA por representar uma ameaça aos interesses americanos – isto é, à indústria de armamento americana!

A cooperação sino-russa é fundamentalmente anti-ocidental, embora este conceito tenha já perdido muito da sua substância. Os EUA são aliados de rivais ou inimigos da China, o que fornece fundamento ao sentimento anti-ocidental. Para a Rússia, o apoio da UE ou dos EUA a estados que fizeram parte do Império Soviético alimenta o nacionalismo nostálgico da Rússia.

O alargamento da UE nos balcãs ocidentais tem sido sabotado o quanto possível pela Rússia. Apesar disso, a Croácia tornou-se membro durante a minha presidência. Agora abriram as negociações com quatro outros países na região. A geopolítica começa em casa, na nossa vizinhança!

A relação entre a Rússia, a UE e o Ocidente mudou completamente desde que o Presidente Putin começou o seu segundo mandato em 2012. A Comissão, em representação da UE como um todo, negociou um acordo de associação com três estados que pertenciam à URSS desde 2011, como resultado da Parceria Oriental. Em retrospectiva, alguns levantaram dúvidas, perguntando se não deveríamos ter mostrado mais ‘respeito’ pela Rússia, dada a sensibilidade da Ucrânia no Kremlin. Contudo, a UE mostrou ainda mais respeito pela vontade do povo ucraniano. A recusa do presidente da Ucrânia em assinar o acordo de associação despertou uma revolta popular, causando mais de 100 mortes em Maïdan e uma espécie de guerra civil que até agora provocou 13 000 vítimas. Putin aproveitou-se da confusão depois da fuga do Presidente da Ucrânia em fevereiro de 2014, conquistando e anexando a Crimeia. Isto levou imediatamente à imposição de sanções menores da parte da UE e dos EUA, depois à suspensão da Rússia dos G8, e finalmente a sanções económicas a partir do verão de 2014. Todas estas de- cisões foram tomadas com unanimidade, com alguns estados mais relutantes do que outros. Durante os últimos seis anos, estas sanções foram renovadas por todos os Estados-membro. Os acordos de Minsk para uma solução sustentável não foram implementados, especialmente pelo lado russo. As negociações foram conduzidas por Merkel e Hollande, mas sem a participação das instituições europeias. O Conselho Europeu aprovou-os depois. Sem esta implementação, a ‘normalização’ da relação com a Rússia não é possível.

A UE precisa de inventar o seu próprio papel geopolítico

A UE precisa de inventar o seu próprio papel geopolítico.

Em todo o caso, a UE é um ator global em domínios tais como o comércio e as alterações climáticas. Não é, de todo, uma potência geopolítica. O problema reside no facto da União falhar na defesa dos seus interesses económicos e na área da segurança. Uma razão é que a UE teve de se concentrar demasiado nos seus problemas internos durante dez anos, devido à poli-crise. Outra razão desta dificuldade deve-se à falta de unidade (embora existam várias áreas em que a União mostra unidade, como nas sanções contra a Rússia ou o acordo nuclear com o Irão), ou nalguns casos à falta de um instrumento militar próprio. É um erro pensar que devíamos ter intervido na Síria. Teria-nos mergulhado numa aventura sem fim (como na Líbia, em 2011) sem quaisquer resultados reais no que toca a contrariar os fluxos migratórios. Pelo contrário, teria exarcebardo o caos e a emigração do país!

A política externa vai para além do jogo político. É cada vez mais sobre o clima, o comércio, o terrorismo, energia, poderio económico digital e sobre segurança. Neste domínios a UE é forte se agir concertadamente, como no comércio. A UE é uma forte apoiante do comércio justo e aberto no contexto de um sistema de comércio baseado em regras e multilateral. Mas não devíamos ser os únicos! Nos últimos anos, alcan- cámos FTAs [Free Trade Agreements] com vários países tais como a Coreia, Singapura, Vietname, Japão e Canadá. Estas negociações ou começaram ou foram concluídas antes do fim do meu mandato.

Noutros domínios permanecemos mais divididos (energia e migrações). E noutros casos estamos a falhar em resistir a ameaças à nossa soberania europeia, particularmente na economia digital. O tema da soberania é de grande importância para o futuro da União. Como podemos desempenhar um papel no mundo quando nos arriscamos a ficar economicamente dependentes? Isto é ainda mais importante do que a recuperação do poderio militar. A fragmentação da política industrial e outras áreas relacionadas impede-nos de acompanhar a China, que é pouco maior do que nós em termos de PIB, mas que consegue fazer melhor uso dos seus recursos, geridos centralmente, ou os EUA, cujo mercado não tem obstáculos e onde é permitido às grandes empresas que ocupem uma posiçáo dominante. Em qualquer caso, devemos entender que a escala importa. A era dos ‘campeões’ nacionais acabou. A França e a Alemanha já finalmente se convenceram disso.

Se a geopolítica se está a tornar em geoconomia, então temos um problema. Já não chega dizer que a UE tem o maior mercado único do mundo, mesmo depois do Brexit. Se os países de fora da UE dominarem esse mercado, a consolação vinda dessa afirmação não chegará. Isto não nos deve incitar ao protecionismo mas a uma melhor proteção dos nossos interesses estratégicos, construindo uma estratégia de sucesso própria na nova economia.

Precisamos de soberania europeia em muitas áreas: tecnologia, econonomia, fronteiras externas, energia, alimentação, equipamento médico e defesa. Com maior autonomia, a UE quer preservar o nosso ‘modo de vida’, e com maior autonomia queremos desempenhar um maior papel geopolítico na defesa e promoção dos nossos valores e interesses.


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