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Homenagem - Almirante Vieira Matias (1939-2020)

Francisco Vidal Abreu

Francisco Vidal Abreu

Presidente do Conselho Académico da Academia de Marinha

Comunicação proferida no Funeral de Almirante Vieira Matias, na Igreja do Santo Condestável, na presença de S. Exa o Presidente da República, em 15 de Junho de 2020.

Estou aqui a despedir-me do académico e meu antecessor como Presidente da Academia de Marinha. Mas não posso esquecer o militar e marinheiro que foi toda a vida.

O Almirante Nuno Vieira Matias teve uma carreira profundamente diversificada. Foi praticamente tudo o que um oficial de Marinha pode ou anseia ser. Teve anos e anos de mar em que comandou, foi fuzileiro em teatros de guerra, foi Capitão de Porto, professor da Escola Naval e do prestigiado Instituto Superior Naval de Guerra, passou mais que uma vez pelo Estado-Maior da Armada, também pela área do material como Superintendente, foi Comandante Naval e Comandante de um Quartel-General da NATO e terminou a sua carreira como Chefe do Estado-Maior da Armada. Este foi um período difícil em que durante os cinco anos do seu mandato teve que trabalhar com cinco ministros da defesa, mas soube fazer-se sempre respeitar e por eles foi respeitado.

Homenagem - Almirante Vieira Matias (1939-2020) Por todas as áreas por onde passava ou em que se envolvia estudava-as profundamente. Como artilheiro tornou-se um perito em pólvoras e explosivos. Interessava-se imenso pelo problema da medição do tempo que aprofundou e sobre o qual fez conferências. Como agricultor sabia ao mais pequeno detalhe tudo o dizia respeito às variedades de maçãs e outros frutos que plantou e cultivou numa propriedade que amava, dirigindo com sabedoria todas as fases que o seu enorme pomar requeria. Era um grande colecionador de relógios e navalhas, orgulhando-se das suas muitas peças da sua coleção e era sempre com enorme gosto que explicava a origem e os detalhes de cada uma.

Tinha enorme orgulho em ter frequentado o Naval Command Course no Naval War College, nos Estados Unidos da América. Sempre se bateu para que outros tivessem a mesma oportunidade e até ao fim dinamizou e incentivou os encontros dos ex-alunos deste curso e suas famílias de que era um entusiasta congregador.

Era um excelente contador de histórias e havia duas que o entusiasmavam particularmente – a da célebre Batalha Real a que agora, dizia ele, se teimava erradamente em chamar de Aljubarrota e o facto de não aceitar que o primeiro Almirante tivesse sido Manuel Pessanha, o genovês, pois para ele tinha sido Dom Fuas Roupinho, um bom português.

Toda esta profusão de extensos conhecimentos que naturalmente emergiam das suas conversas, levava-me por vezes a ver nele um príncipe da renascença, mas com os pés bem assentes no século XXI. A sua preocupação em manter-se atualizado levava-o a acompanhar os temas da defesa e da segurança nacional e internacional, mas também as áreas do futuro como a biotecnologia, as engenharias física e química sendo um entusiasta dos avanços do digital. E o mar, sempre o mar, sua preocupação maior, de que era um paladino defensor. Escreveu muito e os seus escritos foram publicados, constituindo excelentes referências deste tema.

Homenagem - Almirante Vieira Matias (1939-2020)Todas estas suas características fizeram com que, já reformado, tivesse sido convidado a lecionar no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica e sido eleito membro da Academia Portuguesa da História e da Academia das Ciências de Lisboa. Ocupou ainda altos cargos na Sociedade de Geografia de Lisboa, na Liga dos Combatentes e na Sociedade Histórica para a Independência de Portugal. Até ao final pertenceu ao Conselho de Curadores da Fundação Oceano Azul.

Toda esta vivência fez dele um muito prestigiado Presidente da Academia de Marinha, cargo que exerceu durante cerca de sete anos. Nesse período foi clara a dinamização introduzida, trazendo rigor e um pouco mais do sal da nossa experiência como oficiais da Armada, temperando o puro academismo com os conhecimentos práticos dos homens que conhecem e viveram o mar. Não posso esquecer o pequeno, mas importante detalhe, tão marinheiro, de ter trazido para a Academia um sino que, com as suas badaladas dobradas e singelas, passou a indicar a hora do início das sessões, lembrando o modelo usado a bordo para assinalar o tempo decorrido desde o início dos quartos antes, e mesmo depois, da invenção do cronómetro de bordo. Estou certo que esta tradição perdurará.

E o mar, sempre o mar, sua preocupação maior, de que era um paladino defensor

Já sob a minha presidência acompanhou, enquanto pôde, as sessões da Academia. Sempre interventivo, era dos primeiros a pedir a palavra. Foi um homem notável que nos vai fazer muita falta. Mas será sempre lembrado como sucede a quem deixa marca, e principalmente por mim que o tive por chefe direto por três vezes e quis o destino, tivesse também vindo ocupar esses mesmos lugares por onde tinha passado, para além do último, a Presidência da Academia.

Sempre foi um homem de causas pelas quais se batia com convicção. Lembro apenas a sua revolta quando se aceitou que o 1o de Dezembro pudesse deixar de ser feriado, ou quando se bateu para que fosse criada uma nova Comissão Parlamentar para os Assuntos do Mar. E de novo lutou até ao fim, sempre com a esperança de vencer mais esta batalha da sua vida. E muitas vezes o ouvi dizer: “tanta emboscada que eu venci na Guiné e esta agora está mais difícil de ultrapassar”. Só que o combate agora era desigual. Não era uma emboscada montada por homens... era de outra dimensão.

Mas o exemplo da luta, dos princípios, da amizade, da sã ligação familiar que manteve ao longo da sua vida e do seu exemplar profissionalismo, ficará para sempre.

À Maria Francisca, sua mulher, ao João e à Ana Francisca, seus filhos e aos seus netos Rita, Maria e Manuel, deixo a minha amizade de muitos anos.

Descanse com a merecida paz depois desta tão prolongada e inglória luta. Até sempre amigo.


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