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Centro de Estudos Europeus - As Principais Linhas de Força da Política Externa Portuguesa

Pedro Sanchez da Costa Pereira

Embaixador, Diretor-Geral de Política Externa do Ministério dos Negócios Estrangeiros

SESSÃO NO INSTITUTO DE ESTUDOS POLÍTICOS, a convite de José Manuel Durão Barroso

O propósito deste nosso encontro é falarmos sobre a política externa de Portugal. Quais são as suas principais linhas de força? Quais são as suas prioridades? Procurarei responder a estas questões, e em primeiro lugar à questão de saber porquê esta e não outra política externa para Portugal.

É este um ponto de esclarecimento prévio útil já que as prioridades assumidas na nossa política externa não são o fruto do acaso ou apenas de opções pontualmente tomadas, mas decorrem sobretudo de imperativos da nossa geografia e da nossa história, e isto é ainda mais evidente porque somos um país com uma já longa existência.

Centro de Estudos Europeus - As Principais Linhas de Força da Política Externa Portuguesa Uma análise geopolítica mostra que as condicionantes geográficas foram e são de facto realmente muito importantes. Portugal é um país europeu, mas não continental. É sobretudo um país atlântico. Mas mais do que apenas atlântico, Portugal – embora periférico na Europa – é um país com centralidade atlântica (Fernando Pessoa dizia-nos ser Portugal o rosto com que a Europa fita o ocidente, e o ocidente imediato para Portugal é o Atlântico). Mas apesar de Atlântico, Portugal é culturalmente inscrito no mundo latino e mediterrânico, e não no anglo-saxão. Tem apenas uma fronteira terrestre, com Espanha, estável há muitos séculos.

Para além destes imperativos geográficos, que são fundamentais para compreender a forma em como se desenvolveu e consolidou a política externa de Portugal, temos que tomar igualmente em conta a forma em como a história do nosso país se desenvolveu nessa mesma geografia.

E, olhando para essa história, temos que desde antes do século XV que a política externa portuguesa se construiu no equilíbrio possível a cada momento, entre a pressão continental e as possibilidades que o oceano oferecia. Daí resultaram ciclos de aproximação ou afastamento ao continente europeu, a criação de alianças que obstassem ao peso de Espanha, a procura de um espaço próprio fora do continente europeu que viabilizasse a existência de Portugal enquanto nação soberana, no Atlântico e bem para além do Atlântico.

Assim nasceu e se consolidou o mundo de expressão portuguesa, eixo sobretudo materializado na relação especial com os países africanos de língua oficial portuguesa e com o Brasil e Timor-Leste, congregados hoje na CPLP.

Após 1974, com o fim do Estado Novo e a estabilização do Portugal democrático, a prossecução destes três eixos – o europeu, o Atlântico e o mundo de expressão portuguesa - tornou-se assumida e consensual, e desde 1976 que todos os governos os têm enunciado nos seus programas.

Portugal envolveu-se empenhadamente na Europa, onde naturalmente se inscreve, e no projeto europeu, que trouxe também uma profunda mudança de paradigma das relações luso-espanholas e densificou a sua presença – fundadora – na NATO; e, na linha do que já existia com o Brasil, e ao mesmo tempo que integrava ativamente o espaço da ibero-america, desenvolveu relações profundas com os novos Estados de língua portuguesa.

A estas três prioridades, o Governo confirmou programaticamente na legislatura cessante três outras para a sua ação externa. Em primeiro lugar, assumiu a tarefa prioritária de responder às necessidades das várias comunidades de origem portuguesa geradas pelas sucessivas vagas migratórias que ocorreram a partir do final do século XIX. É que cerca de um terço da população com nacionalidade portuguesa, ou que a ela tem direito pelo nascimento, vive hoje fora de Portugal, em comunidades muito diversas, em geral bem-vindas, bem integradas e economicamente estáveis. A relevância destas comunidades para a ação externa do país tem-se aprofundado a tal ponto que passou a constituir de per se um quarto eixo orientador da ação externa.

Para além desta quarta dimensão, uma análise rigorosa da política externa portuguesa não pode ignorar que, nas últimas décadas, o país tem experimentado um forte movimento de internacionalização da sua economia. Este desenvolvimento tem merecido uma atenção crescente e justifica plenamente a criação da nova Secretaria de Estado da Internacionalização no Ministério dos Negócios Estrangeiros. A internacionalização da economia portuguesa constitui-se hoje como uma verdadeira linha de ação autónoma de política externa e um eixo essencial para a compreensão e o sucesso global desta última.

Simultaneamente, assistimos também a uma presença crescente de Portugal no plano multilateral, em variadas organizações, mas sobretudo no quadro das Nações Unidas. Esta presença é a face visível de uma opção consciente e valorativa em defesa do multilateralismo enquanto princípio, objetivo e prática no exercício de uma política externa à escala global. O reforço do multilateralismo constitui-se como o sexto principal eixo orientador da política externa portuguesa.

Conceptualmente, são estas as seis dimensões que ilustram a ação exterior de Portugal tal como é hoje prosseguida. Vejamos cada uma delas com maior detalhe.

A. O ESPAÇO EUROPEU

Centro de Estudos Europeus - As Principais Linhas de Força da Política Externa PortuguesaQuando falamos sobre prioridades da nossa política externa a Europa surge em primeiro lugar. Contudo, como referiu em 2016 o Ministro dos Negócios Estrangeiros Augusto Santos Silva, “a Europa é e não é um tema de política externa”. É na medida em que constitui uma das questões capitais em que se define o posicionamento internacional do Estado português; mas a Europa é também uma realidade supranacional sui generis, que tem e formula a sua própria política externa, e muitas das questões são comuns aos seus Estados-membros e são portanto internas ao espaço da União.

Após 1974, com o fim do Estado Novo e a estabilização do Portugal democrático, a prossecuçao destes três eixos — o europeu, o Atlântico e o mundo de expressão portuguesa — tornou-se assumida e consensual

Seja como for, definitivamente terminado o ciclo imperial, a Europa voltou a ser o espaço natural onde Portugal se insere. Desde a sua adesão às então Comunidades Europeias, em 1986, Portugal tem consistentemente sido um país muito empenhado na construção e no aprofundamento do projeto europeu. A União Europeia constitui hoje, aos nossos olhos, o mais eficaz instrumento para garantir a paz e a prosperidade na Europa e para preservar e promover os valores fundamentais em que acreditamos, para além de ser o meio de resposta mais adequado para fazer face aos complexos desafios cuja natureza cada vez mais transnacional crescentemente obriga à procura de soluções conjuntas.

Portugal beneficiou extraordinariamente com a sua participação no projeto europeu. Consolidou a sua democracia, sendo esta, aliás, a principal razão que motivou a sua decisão de aderir às então Comunidades Europeias, e não tanto, como muitas vezes se julga, as vantagens económicas e financeiras – embora muito reais – proporcionadas pelos fundos europeus estruturais e de coesão.

Portugal modernizou-se, desenvolveu-se, e sobretudo reinventou-se em torno de um projeto consensual para a generalidade da sociedade portuguesa.

Neste nosso percurso europeu passámos por tempos de euro-entusiasmo e ultrapassámos momentos difíceis, a exemplo da recente crise económica e financeira que grassou a partir de 2008, uma das mais complexas jamais atravessadas, cujos efeitos coincidiram com a fase mais aguda da crise migratória e a intensificação do terrorismo internacional.

A União Europeia está hoje ao mesmo tempo mais forte e mais frágil. Mais forte, porque foi capaz de construir novos instrumentos, alguns deles absolutamente notáveis de pragmatismo e eficácia; mas está ao mesmo tempo mais frágil, porque os novos e sucessivos desafios que entretanto surgiram ultrapassam muito, em escala e dimensão, todos aqueles com que até agora teve de se confrontar. São disso exemplos as crescentes dificuldades no processo de tomada de decisão numa União que, partindo de 6 chegou a 28 Membros, e que enfrenta hoje o seu primeiro movimento verdadeiramente desagregador com a saída do Reino Unido; mas que faz face também ao surgimento de tendências populistas e antieuropeias e de blocos criados em função de alinhamentos geográficos, interesses político-económicos ou afinidades históricas, ideológicas ou linguísticas, que têm um impacto negativo na capacidade de construção de consensos no contexto europeu.

Não se pretende aqui negar o direito aos Estados Membros de se associarem em função de preocupações partilhadas. Mas a cristalização de posicionamentos deste tipo cria frequentemente a ideia da existência de “várias Europas”, por vezes dificilmente conciliáveis ou mesmo incompatíveis com a construção do projeto europeu.

Centro de Estudos Europeus - As Principais Linhas de Força da Política Externa PortuguesaA estes acrescem outros desafios importantes, e todos eles objeto de atenção e ação na nossa política externa, como a resolução eficaz da crise migratória, longe de solucionada, neste momento apenas em estado latente; a dificuldade de criar um entendimento comum sobre as modalidades de uma verdadeira e absolutamente necessária União Económica e Monetária, que consiga fazer face eficazmente a novas crises económicas e financeiras que forçosamente voltarão a aparecer, e que, para além da vertente estritamente monetária, dê uma resposta substantiva ao desafio da convergência económica e social; a construção de um pilar europeu de segurança e defesa, em articulação com a NATO, que seja verdadeiramente capaz de projetar segurança; o combate contra o terrorismo, que assume hoje uma proporção nunca antes vista; e, sem ser exaustivo, mas como pano de fundo para tudo isto, o desafio de nos darmos os meios de ação necessários para assegurarmos o financiamento da União Europeia num quadro marcado pela saída de um importante contribuinte líquido, o Reino Unido, e pelo constante surgimento de múltiplos desafios que obrigam a novos meios para que se lhes possa eficazmente fazer face. E os meios são de facto muito necessários, porque não responder aos desafios tem um custo elevado. Há um custo real para a “não Europa”, e talvez fosse agora a altura de voltar a fazer as contas sobre os custos da “não Europa”, como sucedeu no final da década de 80 quando se quis, e se conseguiu, mostrar a importância de realizar o mercado interno.

Portugal, como muitos outros países europeus, é vulnerável aos efeitos negativos destes e dos muitos outros desafios que compõem a agenda interna e externa da União Europeia. A nossa postura é, contudo, impecavelmente positiva e construtiva no que se refere à procura de soluções europeias que favoreçam a prossecução do projeto europeu, cujo sucesso no quadro da política externa portuguesa é assumido como um interesse vital por si próprio. Sabemos que queremos estar sempre no centro do projeto europeu; sabemos que não queremos a secundarização do método comunitário pelo método intergovernamental, a substituição da lógica comunitária pela do diretório, a acentuação do fosso entre as instituições e as cidadanias ou mais desigualdades entre os Estados-membros. Não queremos menos democracia no espaço europeu. Fugimos de modelos pré-concebidos e, como comentou o atual Ministro dos Negócios Estrangeiros, apostamos na nossa capacidade de ajustamento e de “plasticidade” para prosseguir os nossos objetivos”. Sempre nas palavras de Augusto Santos Silva, ”temos um modo plurifacetado de inserção na Europa: são facetas que se completam, não alternativas que se excluem. A nossa base é a Europa. Sem nenhum equívoco. A nossa base, o nosso horizonte, o nosso compromisso.”

B. NO EIXO ATLÂNTICO

O eixo atlântico é a segunda prioridade da política externa de Portugal. Contrariamente ao que muitos possam pensar, o chamado “eixo atlântico” não se refere em primeira mão ao oceano atlântico propriamente dito, já que para a política externa portuguesa os oceanos em geral, e não apenas o Atlântico, são globalmente prioritários. Na verdade, o que está aqui em causa é a dimensão de segurança que o espaço atlântico encerra, que se traduz sobretudo na pertença de Portugal à Aliança Atlântica e no seu relacionamento com os parceiros para nós mais importantes neste contexto, o Reino Unido desde há quase sete séculos e, desde meados do século passado, sobretudo os EUA.

Esta situação requer hoje ajustamentos na nossa política externa. O Reino Unido tem sempre sido com Portugal um parceiro particularmente ativo na União Europeia a favor do reforço do pilar europeu de defesa numa lógica de complementaridade e de não duplicação com a NATO, que entendemos dever manter-se como a principal organização de defesa coletiva. Ora, o Reino Unido deverá em breve abandonar o projeto europeu e enfraquecer assim a sensibilidade mais atlantista na UE. Para Portugal isso constitui um problema.

Por outro lado, a mudança de Administração nos Estados Unidos trouxe uma alteração no seu relacionamento com a Europa, visível nomeadamente no quadro da NATO e em matéria de comércio externo. A nossa relação com os Estados Unidos permanece, contudo, estruturalmente muito importante e deveremos ter isso sempre presente quando nos confrontamos com ajustamentos necessários que esperamos sejam de conjuntura.

A própria conjuntura internacional está em rápida transformação num contexto marcado por crescentes incertezas e maior insegurança. A NATO, na prática, não obstante querer projetar segurança em todos os azimutes, concentra-se mais nas ameaças a leste e sudeste. Mesmo quando age noutras áreas, como no espaço atlântico, é muito frequentemente com a preocupação principal, quando não exclusiva, de contrariar e fazer face às ameaças a leste. A sua vocação para agir no espaço magrebino e saeliano, de onde poderiam surgir as maiores ameaças para o flanco sul da União Europeia, onde se encontra Portugal, é menor.

Por estas razões, é prioritário para a política externa de Portugal promover a articulação dos vários instrumentos existentes de segurança e defesa, num espírito de complementaridade e não duplicação, no respeito das especificidades de cada um, e, se necessário, promover a criação de novos meios que permitam a projeção de uma verdadeira estabilidade e a garantia de defesa num círculo que abarque verdadeiramente 360o, portanto também a sul do mediterrâneo.

Em qualquer circunstância, Portugal é um aliado leal no quadro da NATO e empenhado no aprofundamento do projeto europeu nos domínios da segurança europeia, como também o será em quaisquer outros alinhamentos que venham a ser decididos no quadro da nossa política externa.

Centro de Estudos Europeus - As Principais Linhas de Força da Política Externa PortuguesaAo nível nacional, e sempre olhando para o Atlântico, a nossa política externa fez face ao desafio colocado pela diminuição da presença norte-americana nos Açores. Foram estruturadas e apresentadas várias iniciativas. O lançamento do “Atlantic Internacional Research Center – AIR Center”, projeto que visa promover a cooperação e a investigação científica internacional nas áreas dos oceanos, clima e espaço, e a criação de um Centro de Defesa no Atlântico, reforçando a capacitação de parceiros atlânticos para fazer face a ameaças nesse mesmo Atlântico, ambos tirando partido da localização estratégica dos Açores, são exemplos do interesse de Portugal por iniciativas que contribuem para valorizar a posição estratégica de Portugal no Atlântico.

Já o referi, mas é um ponto importante quando falamos do Atlântico: se Portugal é um país periférico no quadro europeu, já no contexto atlântico a sua centralidade é mais do que evidente. A nossa ação externa age tomando isso sempre em consideração. Posicionado entre o Atlântico norte e o Atlântico sul, entre o Mediterrâneo e o Atlântico, entre o resto da Europa e as Américas e África, basta olhar para um mapa para ver que Portugal tem aqui a sua verdadeira e principal centralidade geopolítica, que justifica a prossecução de um verdadeiro eixo estratégico de atuação.

C. NO ESPAÇO DE LÍNGUA PORTUGUESA

A terceira linha de ação prioritária em política externa é o espaço de língua portuguesa. Este encontra a sua melhor expressão, mas não se esgota, na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, a CPLP.

A CPLP enfrenta desafios assinaláveis. Integrada por países que se inserem em dinâmicas regionais próprias, cada um perspetiva a sua participação na CPLP de forma diversa, quer quanto aos objetivos nacionais que prossegue, quer quanto à forma em como vê os interesses comuns da organização como um todo.

Um país com muita facilidade em dialogar com todos, que não pretende impor a sua visão das coisas, que acredita num mundo governado por regras claras e internacionalmente aceites

O potencial deste espaço é, contudo, imenso. A CPLP e o mundo de língua portuguesa assentam numa matriz identitária comum de raiz histórica e linguística com um potencial muito significativo, coincidindo com um imenso espaço populacional e comercial, e dotado de importantes afinidades culturais, que se espraia por nove países na América, África, Ásia e Europa.

Mais: a língua portuguesa, quarta ou quinta língua mais usada no mundo (dependendo da contabilidade usada), é hoje uma das línguas europeias que mais cresce no mundo e é o idioma mais falado no hemisfério sul. Perspetiva-se um total de 400 milhões de falantes em 2050 e de 500 milhões até 2100, a maioria dos quais em África.

A CPLP é portadora de muitos projetos e proporciona relações de colaboração não apenas entre Estados, mas também entre uma enorme diversidade de organizações da sociedade civil, tendo um dinamismo muito superior ao que é habitualmente percecionado pela opinião pública. Um sinal da sua vitalidade é o interesse que a CPLP tem despertado junto de Estados terceiros, havendo hoje um número muito considerável de parceiros internacionais, mais do que o próprio número dos seus Estados-membros, que adquiriram ou que estão em vias de adquirir o estatuto de Observadores na CPLP.

Portugal contribui com um Secretário-Executivo desde janeiro de 2019 e olha para a CPLP com uma atenção muito particular. Considera-a como a melhor forma de viabilizar a cooperação entre países que muito se estimam e que têm muita da sua história e da sua cultura em comum.

Jovem organização, a CPLP precisa de ser sentida pelo cidadão comum como uma entidade que lhe proporciona vantagens concretas. Fazer com que a CPLP seja mais útil para as pessoas é pois um verdadeiro objetivo para a nossa ação externa. É com este espírito que Portugal acredita fortemente na importância de facilitar a mobilidade na CPLP através do direito de residência, do reconhecimento de títulos e qualificações académicas e da portabilidade de direitos sociais dentro do espaço da CPLP.

D. O ACOMPANHAMENTO E A VALORIZAÇÃO DAS COMUNIDADES PORTUGUESAS

O acompanhamento e a valorização das Comunidades Portuguesas constitui o quarto eixo de ação da política externa portuguesa.

As comunidades portuguesas continuam a crescer e a diversificar-se. Para termos uma noção da dimensão deste fenómeno e, portanto, da sua importância para a nossa política externa, devemos ter presente que Portugal tem dez comunidades com mais de 120.000 pessoas, espalhadas por três continentes (Europa, África e América), para além de núcleos populacionais relevantes na Ásia e na Oceânia.

O principal objetivo da nossa política externa é aqui, naturalmente, o de procurar contribuir para o bem-estar e segurança das nossas comunidades e promover a sua integração tão qualitativa quanto possível no espaço em que se encontram, preservando as suas raízes e memória portuguesas.

Estas comunidades são cada vez mais variadas e heterogéneas e colocam-nos desafios adicionais com a sua mudança de perfil e consequente alteração das expectativas que têm relativamente ao papel do Estado. Obrigam a um esforço de acompanhamento permanente da nossa ação externa, político, social e económico.

Portugal presta hoje serviços consulares em 148 países. A gestão destes serviços tornou-se muito mais exigente e complexa e visa corresponder pelos mais variados meios, e agora também por via tecnológica, às necessidades quotidianas dos portugueses que vivem no estrangeiro.

O interesse para a política externa portuguesa desta proximidade com as nossas comunidades é óbvio. As nossas comunidades estão geralmente bem integradas nas sociedades onde vivem, em muitos casos já nas segundas e terceiras gerações e constituem uma rede privilegiada para a promoção de investimentos e de trocas comerciais, para a divulgação da língua e da cultura, bem como para a aproximação política aos estados onde residem.

Sabemos bem na prossecução da nossa ação externa que uma comunidade bem integrada em lugares de destaque e de influência no seu país de acolhimento é frequentemente muito importante para a prossecução e defesa de interesses portugueses. Pense-se nos casos de luso-descendentes que são hoje senadores ou congressistas nos Estados Unidos, ou do exemplo bem real do luso-descendente que é hoje Primeiro-Ministro de São Vicente e Grenadinas (Ralph Gonçalves), uma pequena ilha do Pacífico mas cujo voto em eleições no quadro de candidaturas nas Nações Unidas tem o mesmo peso que o voto de qualquer outro país.

Por estas razões, a importância das comunidades portuguesas no exterior justifica plenamente que sejam um eixo autónomo para a política externa portuguesa.

E. A INTERNACIONALIZAÇÃO DE PORTUGAL

O quinto eixo prioritário da ação externa de Portugal é o da sua própria internacionalização.

Portugal, cada vez mais, internacionaliza-se. As exportações portuguesas, que representavam 27% do PIB em 2005, representaram hoje 44%.

Os principais mercados de exportação estão na União Europeia, que representa entre 70 e 80% do nosso comércio externo, sobretudo a Espanha, a França, a Alemanha e o Reino Unido. Mas nos nossos primeiros 15 mercados de exportação contam-se também os Estados Unidos, Angola, o Brasil, a China, Marrocos e a Suíça. Portugal alcançou recentemente um equilíbrio assinalável na sua balança comercial e uma notável diversificação de parceiros.

Estas tendências, que advêm sobretudo do dinamismo dos nossos empresários, não são, contudo, totalmente independentes das orientações e ações de política externa. O Estado não se substitui aos empresários portugueses nas opções feitas por estes últimos, mas procura ativamente abrir caminhos e criar as melhores condições para o sucesso dos operadores económicos.

E não só. O esforço de internacionalização não visa apenas as exportações em sentido clássico, mas passa também por outras áreas: pela língua, cujo potencial já referimos, pela cultura, pela cooperação, que constitui uma área onde apostamos fortemente, pela promoção da mobilidade e pela ciência. Todas estas áreas têm enormes potencialidades de sinergias umas com as outras. Em todas elas a política externa é chamada a contribuir, promovendo, dinamizando, estabelecendo laços, procurando criar conexões que se prolonguem no tempo. O diálogo bilateral regular, ao nível político, com um cada vez maior número de parceiros, contribui fortemente para este esforço de internacionalização.

Portugal quer hoje estar mais presente em cada vez mais espaços. Fazemos isso com a convicção de que este seu maior esforço de abertura traz prosperidade e crescimento, mas, igualmente, com a consciência e a prudência de que na exata medida em que quanto mais Portugal se abre, também mais se expõe às fragilidades e incertezas que possam existir ou aparecer nos espaços em que está presente. A promoção da estabilidade internacional, o respeito por regras claras, comumente aceites e criadoras de previsibilidade e segurança, são assim do máximo interesse na ação externa de Portugal.

F. O MULTILATERALISMO ENQUANTO RESPOSTA E VOCAÇÃO

O sexto eixo prioritário na política externa portuguesa é o multilateralismo. Portugal é um país com uma política externa que tem vocação global e que acredita no multilateralismo enquanto condição necessária para uma ordem internacional assente na concertação e no respeito por regras.

Portugal é membro de quase todas as grandes organizações internacionais e sabe que ganha em peso e influência quando se relaciona com outros atores internacionais que prosseguem fins compatíveis com os seus. Consegue por esta via potenciar a sua presença e a sua influência e ultrapassar frequentes limitações de meios ainda mais acentuadas com a ampla dispersão dos seus interesses e objetivos externos.

Portugal prossegue ativamente o multilateralismo. É ao mesmo tempo uma característica e um objetivo prioritário da sua política externa. Daí a importância e a valorização contínua que Portugal confere ao papel das Nações Unidas como elemento central na ação multilateral nos principais assuntos que compõem a agenda internacional e que interessam muito particularmente a Portugal, sejam eles o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, as alterações climáticas, as migrações, o acolhimento dos refugiados, os assuntos do mar e a sustentabilidade dos oceanos.

Portugal mostrou também que a generosidade e o sentido de responsabilidade podem constituir-se como objectivos centrais da sua política externa

Ponto a reter: a política externa portuguesa tem conseguido excelentes resultados no quadro multilateral. Portugal foi eleito por três vezes para o Conselho de Segurança das Nações Unidas. Recordemos as eleições de António Guterres para o cargo de Secretário-geral das Nações Unidas e, mais recentemente, de António Vitorino para Diretor-Geral da Organização Mundial das Migrações, que, sendo sobretudo devidas aos notáveis méritos dos candidatos, foram também em menor ou maior grau um sucesso evidente da diplomacia portuguesa no plano multilateral. Salientemos também os dois muito importantes e bem-sucedidos mandatos do Dr. Durão Barroso na presidência da Comissão, durante um dos períodos mais difíceis na história da União Europeia.

A defesa do multilateralismo em todos os planos da política externa, e a participação ativa no quadro das principais organizações internacionais assumem-se como dimensões estruturantes e identificadoras da política externa portuguesa.

CONCLUSÃO

Concluirei dizendo que Portugal tem uma política externa estável que decorre naturalmente da sua História e da sua geografia, e das opções que têm sido as suas.

A política externa portuguesa tem sido bem-sucedida. A integração europeia permitiu que Portugal consolidasse solidamente o seu sistema democrático e proporcionou ao país um período de paz e de desenvolvimento económico e social sem precedentes no século XX.

A pertença ao espaço euro-atlântico e à NATO assegurou a Portugal um lugar no bloco dominante após o final da guerra fria e um alinhamento com países com os quais partilhamos valores e garantimos a nossa segurança.

A pressão continental levou-nos a explorar os oceanos, dando-nos a profundidade estratégica que de outro modo não temos e possibilitando a construção de um espaço político próprio dos falantes de língua portuguesa. Proporcionou uma nova compreensão da nossa própria identidade e a pertença a um espaço pluricontinental de matriz histórica e linguística.

Protagonista histórico da primeira globalização, Portugal encontrou na internacionalização da sua economia uma via promissora para prosperar.

No quadro multilateral, que privilegia, a ação externa de Portugal compensou sem complexos a sua dimensão, que é média à escala global.

Somos sempre leais nos nossos alinhamentos e alianças. Soubemos ao longo dos tempos construir uma imagem, que é real, de um país com muita facilidade em dialogar com todos, que não pretende impor a sua visão das coisas, que acredita num mundo governado por regras claras e internacionalmente aceites, cuja agenda no quadro multilateral inclui sempre a criação de pontes e a procura do bom entendimento.

Portugal construiu uma política externa equilibrada e moderada, não seguidista, independente, tolerante, que valoriza, e muito, a cooperação para o desenvolvimento, que não prescinde do respeito pelos valores fundamentais do estado de Direito e da pessoa humana.

Numa característica que é muito sua, Portugal mostrou também que a generosidade e o sentido de responsabilidade podem constituir-se como objetivos centrais da sua política externa. Nunca ninguém poderá julgar a ação de Portugal a favor da autodeterminação e independência de Timor-Leste por quaisquer outros motivos que não fossem esses.

São estes os principais parâmetros que moldam a política externa portuguesa e com os quais Portugal conta para prosseguir os seus objetivos e fazer frente aos desafios que são os seus.


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