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Fé & Liberdade Prémio Fé e Liberdade 2018

Atribuir a Fernando Magalhães Crespo o prémio Fé e Liberdade de 2018 não é apenas um gesto de gratidão e de amizade, mas uma atitude de justiça

Manuel Braga da Cruz Manuel Braga da Cruz

Professor Catedrático e antigo Reitor (2000-2012) da Universidade Católica Portuguesa. Membro do Conselho Editorial de Nova Cidadania

O Instituto de Estudos Políticos decidiu distinguir este ano, com a atribuição do Prémio Fé e Liberdade, a defesa da liberdade de imprensa e de comunicação inspirada pela fé. Ninguém é mais merecedor deste galardão, neste dominio, do que o Eng. Fernando Magalhães Crespo, que foi, por mais de trinta longos anos, Gerente da Rádio Renascença, que guindou a um lugar cimeiro no panorama da comunicação social em Portugal, mantendo a Emissora Católica Portuguesa no topo das audiências radiofónicas durante décadas, facto insólito no panorama europeu.

A história da Rádio Renascença, no último quartel do século XX e começos deste século, confunde-se com a figura de Fernando Magalhães Crespo, tal como ele se confunde com a Rádio Renascença, porque com ela identificou a sua vida. Temos, por isso, perfeita consciência que ao premiar Fernando Magalhães Crespo, nos 50 anos da Universidade Católica, estamos também a distinguir a Rádio Renascença, e o seu papel na afirmação e defesa da liberdade de comunicação.

A Rádio Renascença desempenhou um papel decisivo na implantação do regime democrático em Portugal. E, de tal forma, que não é possível entender a transição democrá- tica portuguesa sem referir o lugar que ela ocupou nesse processo. Em primeiro lugar, pela colaboração na progressiva introdução de uma autonomia e independência informativa no panorama radiofónico nacional, durante os últimos anos do regime autoritário, o que explica que dela tenha partido a senha para as operações militares do golpe de Estado de 25 de Abril de 1975. A Rádio Renascença deu, assim, uma contribuição importante para a instauração da liberdade de comunicação em Portugal.

No entanto, o principal contributo da Rádio Renascença para a afirmação da li- berdade de comunicação, foi dado durante a transição revolucionária. Vítima da tentativa de nacionalização, foi a ocupação das suas instalações, que motivou grande reacção da opinião pública e das autoridades da Igreja, e que fez desencadear a resposta, pelo país inteiro, à tentativa de supressão das liberdades democráticas. A inflexão do processo revo- lucionário conheceu um momento decisivo com o deflagrar do Caso Renascença, ou seja, com a ocupação da emissora católica, a par da ocupação do Jornal República. Pouco antes do 25 de Novembro, o VI Governo Provisório silenciava os abusivos ocupantes e iniciava a devolução da Renascença aos seus legítimos proprietários. A Rádio Renascença constituiu, desse modo, o caso que provocou a viragem política no processo de transição, rumo à democracia, à liberdade de expressão e ao pluralismo de meios de comunicação, impedindo assim que se tivesse substituído um regime de censura, onde a liberdade de comunicação estava ausente, por outro regime igualmente privado dessa liberdade.

A resistência oferecida à ocupação da Renascença, primeiro pela opinião católica e pelos bispos, depois pelo governo provisório, com a defesa por parte de um numeroso grupo de católicos e democratas do próprio Patriarcado, ameaçado também ele de ocupação, constituiu um momento crucial na formação de uma oposição ao avanço do processo revolucionário.

O caso Renascença travou desse modo a estatização da comunicação social, e promo- veu a afirmação da liberdade de expressão. A Renascença foi um símbolo, nesse período decisivo, da liberdade e do pluralismo democrá- tico. E foi, durante vários anos, até à abertura dos meios de comunicação social à iniciativa privada, levado a cabo pelo Primeiro-Ministro Cavaco Silva, já nos anos 80 do século XX, a única voz radiofónica não estatizada na comunicação social portuguesa. Ser a única rádio não estatal, verdadeiramente livre, em Portugal, muito contribuiu para que, após à abertura ao pluralismo, se tenha firmado como líder de audiências.

Fernando Magalhães Crespo foi o escolhido pelo Cardeal Patriarca D. António Ribeiro e pela Conferência Episcopal Portuguesa, para liderar os destinos da emissora católica após a desocupação, durante os anos de monopólio estatal da comunicação radio-televisiva, e depois deles.

E logo que a abertura ao pluralismo se consumou, Fernando Magalhães Crespo es- teve presente, quer no processo que levou ao lançamento da TVI, como canal de inspiração cristã - embora não tenha prevalecido o seu projecto, nem tenha assumido responsabi- lidades directivas na sua evolução - quer no processo que conduziu à formação da Federação dos Meios de Inspiração cristã, denominada NOVA, juntamente com as demais rádios católicas (ARIC), com a imprensa regional católica (AIC), com a própria TVI (até á sua permanência nas mãos de orientação cristã), com a Universidade Católica – atra- vés do seu Departamento de Comunicação Social -, e com outras empresas de media católicas. Tive oportunidade de testemu- nhar pessoalmente a forma inteligente e intransigente como recusou a diluição dos media católicos num associativismo que os minimizava, e soube afirmar intrepida- mente os seus direitos e a sua voz.

Fernando Magalhães Crespo soube defender, em tempos de adversidade, a liberdade da Igreja e, como tal, a liberdade religiosa, o pluralismo democrático dos meios de comunicação e, através deles, a liberdade de expressão

Prémio Fé e Liberdade: Fernando Magalhães Crespo soube defender, em tempos de adversidade, a liberdade da Igreja e, como tal, a liberdade religiosa, o pluralismo democrático dos meios de comunicação e, através deles, a liberdade de expressão e o direito de asso- ciação empresarial. E soube, em tempos de prosperidade e de concorrência, assegurar o primado da comunicação de inspiração cristã. Pude presenciar como pode a deter- minação de um homem de fé, de fidelidade à Igreja, ajudar a concretizar sonhos dificilmente realizáveis ou aparentemente impossíveis. Conduziu a Renascença ao lugar cimeiro que, por décadas, ocupou, tornando-a numa Rádio próxima e popular, reconhecida, estimada e respeitada. Ao assumir-se como Rádio po- pular e cristã, identificou-se com a alma do povo português, intérprete dos sentimentos e anseios do povo português. Radicou-se na sociedade portuguesa, ganhou o seu apoio e a sua confiança. E ao adquirir dimensão, espalhando-se a todo o País, tornou-se igualmente uma Rádio nacional, cobrindo a totalidade do território, a diversidade das regiões, a variedade dos problemas sociais, as diferentes expressões culturais dispersas pelo país. O ser uma Rádio portuguesa, saída da sociedade e para ela dirigida, independente do Estado, granjeou-lhe o prestígio próprio de uma das maiores realizações da sociedade civil portuguesa. O segredo da Renascença foi ter sabido descobrir a alma do povo, irmanar-se com ela, oferecendo aos que a procuravam momentos de informação, de entretenimento e de enriquecimento con- dizentes com a cultura, dominantemente cristã, do povo português.

A Renascença não é uma simples emissora religiosa. É certo que faz, e com que qualidade e com que audiência, a afirmação do religioso e da oração no espaço público. Mas, para além disso, é uma rádio generalista, de proximidade com os ouvintes, geradora de interactividade, suscitadora de identificação. O que não a im- pediu de diversificar públicos com o aumento de canais. A Renascença soube adequar-se à crescente fragmentação do público, con- comitante com a progressiva concentração da produção de conteúdos.

Fernando Magalhães Crespo tem uma particular responsabilidade nesta história de sucesso, pois soube formar, conduzir e mobilizar uma equipa a quem se de- vem os extraordinários êxitos conseguidos ao longo dos anos.

Foi, por isso, ele próprio um dirigente respeitado, uma voz ouvida, por governantes e parceiros concorrentes, uma autoridade de referência no meio. Constituiu uma empresa sólida e coesa, que foi, ela própria, escola de formação para muitos profissionais de qualidade em Portugal.

Quando a Universidade Católica se abriu ao domínio da Comunicação Social, foi parceiro de excelência, ajudando a montar os estúdios de rádio, fornecendo formadores, oferecen- do estágios aos seus alunos, assegurando a colaboração de muitos dos seus professores. A Renascença e a Universidade Católica são há muito parceiras, exemplo do que pode e deve ser uma relação entre a Universidade e a empresa.

Como empresário católico sou- be estabelecer redes, estreitan- do os laços da Renascença com todo o associativismo católico.

Atribuir a Fernando Magalhães Crespo o prémio Fé e Liberdade de 2018 não é apenas um gesto de gratidão e de amizade, mas uma atitude de justiça. É também a indicação de um exemplo de homem de fé, que serviu a Igreja, a democracia e a liberdade.


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