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Palestra Tocqueville - Portugal e o aprofundamento da União Europeia

A aprovação do Ato Único Europeu abriu a porta à atribuição a Portugal de montantes muito elevados de fundos estruturais para o desenvolvimento e modernização.

Aníbal Cavaco Silva Aníbal Cavaco Silva

Primeiro-Ministro (1985-1995) - Presidente da República (2006-2016)

A primeira grande alteração do Tratado de Roma, que instituiu, em Março de 1957, a Comunidade Económica Europeia, ocorreu em Dezem- bro de 1985, quando o Conselho Europeu de Chefes de Estado e de Governo, reunido no Luxemburgo, aprovou o Ato Único Europeu. Foi o primeiro dos 29 Conselhos Europeus em que participei como Primeiro-Ministro.

Foi aí estabelecida a criação até Dezembro de 1992 do Mercado Interno, o qual compreendia um espaço sem fronteiras à livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais.

O Ato Único aprovou também uma alteração ao Tratado da maior importância para Portugal: a criação da Política de Coesão Económica e Social, com o objetivo de promover um desenvolvimento harmonioso no conjunto da Comunidade, em especial a redução das diferenças entre as diversas regiões e o atraso das regiões menos favorecidas.

A partir daí, tendo em vista a obtenção de apoios financeiros comunitários ao desenvolvimento económico e social do País, a defesa da política de Coesão Económica e Social passou a estar na linha da frente das posições portuguesas, em convergência com a Espanha, a Irlanda e a Grécia.

A aprovação do Ato Único Europeu abriu a porta à atribuição a Portugal de montantes muito elevados de fundos estruturais para o desenvolvimento e modernização que, para o período em curso de 2014-2020, atingem 25 mil milhões de euros.

O passo verdadeiramente histórico no aprofundamento da União Europeia foi dado no Conselho Europeu de Maastricht, em Dezembro de 1991. Foi aprovado o agora designado Tratado da União Europeia, a cuja cerimónia de assinatura tive a honra de presidir, enquanto Presidente do Conselho Europeu, durante a primeira presidência portuguesa das Comunidades Europeias.

Entre as alterações aprovadas destaca-se a criação da União Económica e Monetária e o seu pilar da União Monetária: um Banco Central Europeu, uma moeda única, o euro, uma política monetária e uma política cambial únicas. Uma construção quase completa de federalismo monetário.

Um marco na história da Europa contemporânea que o deputado português ao Parlamento Europeu, Lucas Pires, considerou como a maior revolução europeia desde a de 1917 na Rússia.

O passo dado em Maastricht no sentido do aprofundamento da integração europeia, apenas quatro anos após a aprovação do Ato Único Europeu, foi politicamente impulsionado pelos acontecimentos no leste europeu, desencadeados pelas reformas de Gorbachev na União Soviética e pela reunificação da Alemanha, em outubro de 1990.

Do ponto de vista económico, a União Monetária era uma consequência lógica da realização do mercado único sem barreiras. Sem a eliminação da incerteza cambial, a União Europeia seria um espaço aberto às desvalorizações competitivas da moeda e às consequentes tensões entre os Estados-membros.

Tratou-se de um verdadeiro passo de gigante no aprofundamento do projeto de integração europeia, a mais importante alteração do sistema monetário internacional desde o colapso do sistema de Bretton Woods, em 1971, o qual tinha enterrado o Relatório Werner, publicado em outubro de 1970, que propunha precisamente a criação de uma união económica e monetária na Comunidade Europeia.

Para além da União Económica e Monetária, o Tratado da União Europeia instituiu a Política Externa e de Segurança Comum (PESC), um sistema de cooperação intergovernamental nos domínios da justiça e da administração interna e a cidadania europeia.

A decisão de Portugal cumprir os critérios de convergência para a integração na Zona Euro como membro fundador foi o resultado de uma análise custo-benefício.

Os custos situavam-se ao nível da gestão macroeconómica: ao transferir para o Banco Central Europeu a sua soberania monetária, Portugal prescindia dos instrumentos de política monetária e cambial para prosseguir os seus objetivos próprios de estímulo à produção e ao emprego. Além disso, Portugal ficava sujeito a restrições acrescidas na condução de uma política orçamental autónoma, de modo a respeitar o procedimento dos défices excessivos, que foi mais tarde reforçado pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento.

Como Primeiro-Ministro do governo que tomou a decisão de preparar o País para a participação na Zona Euro, cheguei à conclusão de que os benefícios suplantavam os custos, o que foi corroborado por análises independentes então produzidas.

Palestra Tocqueville - Portugal e o aprofundamento da União Europeia No plano interno, os benefícios residiam na eliminação da incerteza cambial associada à nossa moeda, o Escudo, e na eliminação dos custos da sua conversão nas moedas utlizadas no comércio internacional. O País beneficiava igualmente do acesso fácil das empresas e das administrações públicas ao mercado financeiro do euro e da descida das taxas de juro. Além disso, a sobreposição de uma moeda única ao mercado interno europeu sem barreiras funcionava como pressão virtuosa para acabar com algumas práticas recorrentes após a Revolução de Abril de 1974: recurso à desvalorização cambial para preservar a competitividade das empresas, indisciplina orçamental e inflação alta. Era ainda uma pressão para a realização das reformas indispensáveis à competitividade das empresas portuguesas no mercado global.

No plano externo, os benefícios da participação na Zona Euro prendiam-se com o facto de Portugal passar a integrar o núcleo duro da União Europeia, portador de uma moeda de referência internacional, ao lado do dólar, e desse modo reforçar a sua capacidade de influenciar o processo de construção europeia e de agir fora do espaço europeu, em particular em África, na América Latina e no Magreb. Por outro lado, integrando o núcleo duro da União Europeia, Portugal contrariava a tendência para o agravamento da sua situação europeia periférica, num tempo em que se perspetivava a deslocação mais para leste do centro de gravidade da União.

A questão que, naturalmente, a todos os presentes se coloca é a seguinte: se os benefícios eram claramente superiores aos custos, porque é que Portugal não fez da adesão à Zona Euro um caso de sucesso económico, tendo chegado a uma situação de quase bancarrota em 2011, quando se viu obrigado a subscrever um Programa de Assistência Financeira a 3 anos com a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu (BCE) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), como contrapartida de um empréstimo de 78 mil milhões de euros para assegurar o financiamento do Estado e da economia?

Tal deveu-se basicamente a três erros de política económica interdependentes que um país da Zona Euro não pode cometer.

Primeiro, as autoridades portuguesas aderiram à ideia de que, pertencendo o País ao Euro, o desequilíbrio das contas externas não constituía uma restrição da política económica e que Portugal podia financiar-se sem limites na sua própria moeda, o euro, sem risco cambial, recorrendo facilmente a empréstimos nos mercados financeiros europeus.

Trata-se de uma ideia errada, para a qual eu tinha alertado em maio de 2003 numa conferência de homenagem ao Dr. José da Silva Lopes. Um défice externo traduz-se no aumento do endividamento do País para com o exterior e, mesmo que seja parte de um amplo espaço monetário unificado, a persistência do défice ao longo do tempo acaba por manifestar-se sob a forma de aumento do prémio de risco, subida das taxas de juro, desconfiança crescente dos mercados e seu encerramento para novos empréstimos. Na primeira década do século XXI, o desequilíbrio das contas externas de Portugal ultrapassou, na maioria dos anos, 8% do PIB.

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Em segundo lugar, as autoridades portuguesas descuraram a competitividade externa da economia e favoreceram, acima de tudo, a produção de bens e serviços não transacionáveis. Tendo perdido o instrumento cambial, para preservar a competitividade no curto prazo havia que garantir uma política salarial em consonância com a evolução da produtividade e implementar reformas estruturais que estimulassem a competitividade, a qualificação dos recursos humanos, a eficiência e a inovação tecnológica. Não foi isso que aconteceu.

As reformas estruturais de que ainda hoje muito se fala, mas pouco se concretiza, devem ser vistas pelo poder político como uma tarefa inacabada, porque vivemos no tempo de um mundo globalizado em rápida mudança, e também porque são reformas que, pelas tensões sociais que geram, devem ser feitas gradualmente.

Porque é que Portugal não fez da adesão à Zona Euro um caso de sucesso económico, tendo chegado a uma situação de quase bancarrota em 2011?

Terceiro erro: Portugal não cuidou devidamente do controlo do défice orçamental. A despesa pública corrente aumentou significativamente, as regras de disciplina fixadas a nível europeu foram violadas e a dívida pública subiu para níveis insustentáveis. Tal deveu-se não só a políticas erradas do Governo português mas também à ineficácia da supervisão das instituições europeias. Era a estas que competia o escrutínio das finanças públicas dos Estados-membros e atuar no sentido de prevenir e corrigir as situações de défice excessivo.

A crise financeira internacional, que teve início nos Estados Unidos em 2008 e que mergulhou a União Europeia em profunda recessão, a maior desde a 2a Grande Guer- ra, a que se seguiu a grave crise da dívida soberana, pondo em causa a estabilidade da União e a irreversibilidade do Euro, tornou evidente que a União Económica e Monetária instituída em Maastricht era uma construção inacabada.

O pilar da União Monetária, como já referi, tinha uma arquitetura quase completa de federalismo monetário, mas os pilares da União Económica e da União Orçamental permaneciam uma construção muito incompleta. Estava limitada à coordenação das políticas económicas e à supervisão por parte da Comissão Europeia e do Conselho de Ministros das Finanças dos orçamentos dos Estados-membros, tendo em vista evitar défices excessivos.

O Pacto de Estabilidade e Crescimento aprovado no Conselho Europeu de Amesterdão, em 1997, uma ideia do então Ministro das Finanças da Alemanha, Theo Waigel, não impediu que o escrutínio por parte das instituições europeias se revelasse ineficaz, não evitando as políticas erradas dos Estados-membros, a indisciplina das finanças públicas e a subida da dívida pública para níveis insustentáveis. São exemplo disso as situações de emergência financeira a que chegaram a Grécia e a Irlanda em 2010 e Portugal em 2011.

Foram muitos os analistas que previram a desagregação da Zona Euro, algo em que nunca acreditei. O governo de qualquer país da Zona Euro tem pavor do que aconteceria no seu país se tomasse a decisão de sair do Euro. Como escreveu o coordenador do programa económico com que Emmanuel Macron se candidatou a Presidente da República Francesa, seria uma situação caótica, economicamente destrutiva, financeiramente ruinosa e socialmente devastadora. Os dias de um tal governo ficariam contados.

Quando em julho de 2015 o Primeiro-Ministro grego Alexis Tsipras ganhou o referendo contra a austeridade que a troika queria impor ao seu País, foram muitos os que pensaram que ele tomaria a decisão de retirar a Grécia da Zona Euro. Não foi isso que fez. Solicitou à troika um terceiro resgate que impôs condições mais duras do que aquelas que os gregos tinham rejeitado em referendo. Em julho de 2017 ao ser questionado pelo jornal britânico The Guardian sobre esta decisão, Tsipras respondeu: “Sair do Euro e ir para onde... para outra galáxia?”

Neste sentido, seria bom haver alguma serenidade em relação ao resultado das recentes eleições italianas. Apesar da incerteza e da correspondente tentação para se dramatizar a situação, a verdade é que os partidos populistas que venceram as eleições corrigiram durante a campanha várias das suas posições anti-europeístas, conscientes de que a realidade é mais complexa do que a propaganda. E recordo que ao longo dos meus dez anos de Primeiro-Ministro conheci nove primeiros-ministros italianos.

De facto, a adesão ao Euro pode ser uma opção para um país da União Europeia mas a saída não o é.

Em resposta à crise da dívida soberana e visando estabilizar a situação financeira na Zona Euro, os líderes europeus começaram por reforçar os pilares orçamental e económico da União Económica e Monetária. Foi criado um fundo para apoiar os países em situação de emergência financeira, através de empréstimos acompanhados da imposição de condicionalidades de política económica.

Foram também aperfeiçoadas e apertadas as regras de disciplina orçamental e os mecanismos de supervisão e coordenação das políticas económicas dos Estados-membros nas suas vertentes preventiva e corretiva. Nesse sentido foram aprovados dois pacotes normativos, denominados six-pack e two-pack, e o Tratado intergovernamental de Estabilidade, Coordenação e Governação – conhecido por Tratado Orçamental – que entrou em vigor em Janeiro de 2013.

Foi este o Tratado que fixou o limite de 0,5% do PIB para o défice público estrutural – i.e. o défice corrigido das variações cíclicas da economia e das medidas extraordinárias –, uma regra a ser transposta para as constituições do Estados-membros ou para instrumentos legais de nível equivalente, de modo a dar-lhe o estatuto de “regra de ouro”.

No quadro do processo de planeamento da política económica e orçamental da União Europeia denominado “Semestre Europeu”, os Estados-membros passaram a ser obrigados a submeter à apreciação da Comissão e do Conselho dos Ministros das Finanças os seus planos plurianuais de estabilidade orçamental e de reformas económicas, em abril de cada ano, e as suas propostas de orçamento, em outubro, antes de serem submetidas aos respetivos parlamentos nacionais.

O debate europeu para aprovação destes instrumentos de reforço da disciplina e coordenação económica processou-se quando Portugal estava empenhado em corrigir a situação de emergência financeira a que chegara e em reconquistar a credibilidade perdida. Tal como aconteceu com a Grécia, a Irlanda e a Espanha, a capacidade de influência de Portugal em matéria de imposição de regras adicionais de disciplina orçamental estava diminuída e só lhe restou aceitar as propostas defendidas pelo diretório franco-alemão. Contudo, deputados portugueses ao Parlamento Europeu tiveram participação ativa no desenho dos respetivos regulamentos comunitários.

Por outro lado, as crises do sistema bancário em vários países – como foram os casos de Irlanda e Espanha – levaram os líderes europeus, no segundo semestre de 2012, a dar um novo passo no sentido de completar o pilar financeiro da União Económica e Monetária através da criação da União Bancária, incluindo a centralização de supervisão bancária no Banco Central Europeu, um mecanismo de resolução de crises bancárias e uma garantia comum de depósitos, o que contou com o apoio de Portugal.

Era uma decisão considerada importante para a solidez do nosso sistema bancário e para a redução das taxas de juro do crédito bancário às empresas, as quais eram bastante superiores às praticadas noutros países. A criação da União Bancária contribuiria para separar o risco da dívida da República da dívida bancária e para que a política monetária definida pelo Banco Central Europeu fosse de facto única em toda a Zona Euro, eliminando o risco de reversibilidade do Euro.

Resolvidas as questões mais urgentes, a Comissão Europeia lançou o debate sobre o aprofundamento da arquitetura da União Económica e Monetária, ideia que acabou por ser reforçada pelas atitudes populistas e nacionalistas que emergiram em países do leste europeu e também pela decisão por referendo, em junho de 2016, da saída do Reino Unido da União Europeia e a evidência das dificuldades e dos custos do processo para os britânicos.

Em junho de 2015 foi publicado o relatório dos cinco presidentes – da Comissão, do Conselho Europeu, do Eurogrupo, do BCE e do Parlamento Europeu – sobre “Completar a União Económica e Monetária Europeia”.

Mais recentemente, a proposta de completar a União Económica e Monetária recebeu dois importantes impulsos. Em 13 de setembro de 2017, o discurso de Jean Claude Juncker no Parlamento Europeu sobre o Estado da União. Treze dias depois, o Presidente francês Emmanuel Macron apresentou a sua visão para o futuro da Europa num ambicioso discurso proferido na Universidade de Sorbonne.

Ambos assumiram como prioridade o fortalecimento da União Económica e Monetária, incluindo a supressão de uma das maiores insuficiências da sua arquitetura: a ausência da função de estabilização macroeconómica, isto é, de uma política visando influenciar o nível da atividade económica e o emprego.

No relatório dos cinco presidentes já se tinha afirmado que “todas as uniões monetárias têm posto em prática uma função de estabilização macroeconómica comum para melhor enfrentar os choques que não podem ser geridos apenas a nível nacional. Este será um desenvolvimento natural para a Zona Euro no longo prazo”.

Um passo no sentido de uma função de estabilização macroeconómica tinha sido defendido sem sucesso por Portugal aquando da aprovação do Tratado de Maastricht, a propósito dos choques assimétricos, isto é, choques adversos sobre a produção e o emprego que atingem especificamente um Estado-membro da Zona Euro. Uma situação como esta era difícil de ser resolvida na União Europeia, onde a mão-de-obra não se desloca facilmente de um país para outro, devido a barreiras culturais e linguísticas, dificuldades de reconhecimento de habilitações e de transferência de direitos de proteção social.

A resposta a esta questão fora dada pela teoria das zonas monetárias ótimas, formulada por Robert Mundell em 1961, que sugere que a União Económica e Monetária, em paralelo com o federalismo monetário, seja dotada, a nível do orçamento comunitário, de um mecanismo de apoio aos países atingidos por choques económicos adversos. Trata-se de compensar esses países pela perda da capacidade de ajustar a taxa de câmbio e de prosseguir uma política monetária autónoma e das fortes restrições que enfrentam na condução de uma política orçamental nacional, em resultado da proibição dos défices excessivos.

Embora os relatórios elaborados pela Comissão Europeia reconhecessem a justificação para que o orçamento comunitário assumisse uma função estabilizadora através de um mecanismo de transferências intercomunitárias, essa posição foi rejeitada em 1991 pelos Estados contribuintes líquidos para o orçamento da União Europeia.

A recessão económica de 2009, a mais profunda do pós-guerra, e a crise da dívida soberana tornaram mais visível a necessidade de dotar a União Económica e Monetária de uma função orçamental de estabilização ao longo do ciclo económico e na eventualidade de choques assimétricos. Trata-se de uma consequência lógica do aprofundamento da integração dos mercados financeiros e do aumento da interdependência entre as economias resultante da sobreposição da moeda única ao mercado interno europeu sem barreiras.

Esta questão ganha uma relevância acrescida pelo facto de a União Económica e Monetária ter de um lado uma política monetária única conduzida pelo Banco Central Europeu e, do outro, 19 políticas orçamentais, refletindo, acima de tudo, as prioridades de cada um dos Estados-membros.

Contrariamente ao que acontece nos Estados federais, a Zona Euro não dispõe de uma política orçamental supranacional que, para efeitos de estabilização macroeconómica ao longo do ciclo, possa ser colocada ao lado da política monetária única conduzida pelo Banco Central Europeu. Por outro lado o orçamento comunitário é relativamente pequeno – 1% do PNB co- munitário – para promover a estabilização cíclica da produção e do emprego ao nível da Zona Euro como um todo.

Perante os desenvolvimentos eurocéticos e nacionalistas em alguns países da União Europeia, entendo que a Zona Euro deve assumir-se inequivocamente como o núcleo duro do projeto europeu e como o motor do reforço do processo de integração

Como assegurar então uma combinação da política monetária e da política orçamental agregada do conjunto dos Estados-membros que seja compatível com o crescimento económico não inflacionista e um nível elevado de emprego no conjunto dos países da Zona Euro como um todo?

É a chamada questão da policy-mix, que designa a interação entre as políticas orçamental e monetária, e que, na União Económica e Monetária, se coloca não ao nível de cada um dos países isoladamente, mas ao naível do conjunto dos 19 Estados-membros.

Até agora, as instituições europeias têm procurado resolver esta questão através de um esforço de coordenação das políticas orçamentais nacionais, o que exige a disponibilidade dos governos para tomar as medidas discricionárias de despesa pública e de impostos consideradas mais adequadas.

Apesar dos progressos conseguidos nesta matéria, através do reforço do escrutínio dos planos económicos e orçamentais dos Estados-membros, não tem sido possível garantir a coerência e a consistência das políticas nacionais entre si e uma orientação orçamental agregada que, colocada em paralelo com a política monetária única, favoreça a estabilidade macroeconómica da Zona Euro como um todo.

Exemplo disso, foi a recusa da Alemanha, país que acumula enormes superávites das suas contas externas, em tomar medidas económicas expansionistas, de modo a compensar as políticas contracionistas dos países em situação de défice excessivo.

Vale a pena também recordar a tentativa que foi feita no final de 2008 pela Comissão e o Conselho para combater a forte recessão económica que se abateu sobre a União Europeia, através do incentivo a políticas orçamentais expansionistas por parte dos Estados-membros.

Ao não serem tidas em devida conta as diferenças entre países da margem de manobra para aumentar a despesa pública, a ação comunitária acabou por contribuir para agravar a insustentabilidade das finanças públicas da Grécia, da Irlanda e de Portugal, tornando inevitáveis os resgates a que depois tiveram de recorrer. A situação poderia ter sido diferente se existisse uma função de estabilização macroeconómica centralizada ao nível da Zona Euro. Esperemos que, na próxima recessão económica, a resposta europeia possa ser mais adequada.

A combinação da política monetária do Banco Central Europeu com uma política orçamental agregada da Zona Euro que seja o resultado não só da uma coordenação mais eficaz das políticas nacionais, mas também de uma função de estabilização macroeconómica europeia, é, em minha opinião, um melhor equilíbrio entre os interesses dos Estados-membros e o interesse da Zona Euro como um todo.

Podemos especular sobre o que seria um verdadeiro orçamento europeu de estabilização macroeconómica. Exigiria meios financeiros para, numa situação de recessão económica na Zona Euro, apoiar a realização de investimentos públicos e participar nos custos com subsídio de desemprego, assim como para estabilizar as economias de países atingidos por choques assimétricos e para apoiar a realização das reformas estruturais indispensáveis à melhoria da competitividade dos Estados-membros.

O Presidente Macron sugeriu um orçamento comum da Zona Euro, enquanto o Presidente Juncker sugeriu uma linha orçamental específica dentro do orçamento da União Europeia. Ambos tinham em mente uma capacidade estabilizadora da União Económica e Monetária mitigada.

Não me surpreende que, no quadro do debate do aprofundamento da União Económica e Monetária, tenha surgido a proposta da Comissão Europeia e também do Presidente Macron de um Ministro das Finanças e da Economia da Zona Euro, o que já tinha sido sugerido pelo então Presidente do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet quando, em Junho de 2011, em Aix-la-Chapelle, recebeu o Prémio Carlos Magno.

Independente do nome que se lhe dê, o certo é que faz sentido que numa verdadeira União Económica e Monetária exista uma entidade responsável pelo orçamento próprio da Zona Euro, pela política de estabilização macroeconómica, pela coordenação das políticas económicas e orçamentais nacionais, pelos programas de assistência financeira a Estados-membros em situações de emergência e que represente a área do Euro nas instituições financeiras internacionais.

Mas é para mim claro que os principais países financiadores de um orçamento da Zona Euro exigiriam que essa entidade tivesse poderes de supervisão e também de interferência nas decisões nacionais de política económica e orçamental, de modo a evitar desvios às regras europeias de estabilidade económica e financeira e adiamentos persistentes das reformas estruturais.

Isto é, seria necessário eliminar a desconfiança de alguns Estados-membros de que estariam a pagar as decisões políticas erradas de outros.

A Comissão Europeia é muito precisa relativamente ao papel de um Ministro das Finanças e da Economia da Zona Euro, conforme consta da sua comunicação de Dezembro de 2017, no quadro dos novos passos visando completar a União Económica e Monetária. A função seria desempenhada por um Vice-Presidente da Comissão Europeia, que seria também o Presidente do Conselho de Ministros das Finanças, o Eurogrupo, e do Conselho de Governadores do Mecanismo Europeu de Estabilidade que, de acordo com a proposta da Comissão, seria transformado em Fundo Monetário Europeu. É toda uma configuração que não entusiasma vários governos, sendo provável que seja remetida para um futuro indeterminado.

O que é que se pode esperar do debate em curso sobre o aprofundamento da União Económica e Monetária e quanto à posição de Portugal?

É óbvio que os avanços no fortalecimento da União Europeia dependerão muito do eixo franco-alemão. Do lado francês, é forte a ambição do Presidente Macron de promover a refundação da Europa. Do lado alemão, uma coligação CDU-SPD será mais favorável a abraçar a visão de Macron para a Europa do que seria uma outra solução governativa alemã: governo minoritário da CDU ou a coligação Jamaica, entre a CDU, os liberais e os verdes.

Perante os desenvolvimentos eurocéticos e nacionalistas em alguns países da União Europeia, entendo que a Zona Euro deve assumir-se inequivocamente como o núcleo duro do projeto europeu e como o motor do reforço do processo de integração. Os consensos serão mais fáceis de alcançar entre os 19 Estados-membros do Euro, os quais partilham extensas e importantes parcelas de soberania, a mais importante das quais é uma moeda comum e tudo o que ela implica. Quero com isto dizer que é partindo do fortalecimento da Zona Euro que se pode avançar para uma mais intensa integração europeia a nível global.

Palestra Tocqueville - Portugal e o aprofundamento da União Europeia Portugal sempre esteve na linha da frente dos que apoiaram o aprofundamento do projeto europeu. Foi fundador da Zona Euro e integrou o primeiro grupo de sete países de Schengen. É esta a posição que melhor serve os interesses de um País como o nosso, na periferia ocidental da Europa, com um único vizinho que é um dos grandes da Europa, muito dependente da importação de petróleo, de gás e de produtos alimentares.

Dotar a União Económica e Monetária de uma componente de estabilização macroeconómica seria benéfico para Portugal. Torna a União Europeia, o nosso grande parceiro comercial, menos vulnerável à próxima recessão e vai ao encontro da reivindicação portuguesa de uma resposta europeia aos choques assimétricos.

A recessão económica de Espanha em 2012-2013, coincidente com a execução do nosso Programa de Assistência Financeira, foi um verdadeiro choque assimétrico negativo para Portugal. Apesar dos esforços então feitos, a troika não aceitou atenuar as medidas de austeridade quando se tornaram evidentes os efeitos negativos sobre a economia portuguesa.

A aprovação da proposta da Comissão Europeia visando completar a União Bancária é também do interesse de Portugal. Reduz os riscos do sector bancário nacional e contribui para que a política monetária do Banco Central Europeu seja de facto única em toda a área do Euro, com benefício para o custo do crédito para as empresas portuguesas.

Para completar a União Bancária falta operacionalizar duas das suas componentes. A reserva de garantia, o chamado backstop, do Fundo Único de Resolução de crises bancárias, sendo provável que a solução seja encontrada através de uma linha de crédito do Mecanismo Europeu de Estabilidade.

Por outro lado, espera-se que a Alemanha, em particular, retire as suas objeções à criação do Sistema Europeu de Seguro de Depósitos. Se a supervisão das instituições de crédito está centralizada, é lógico que aos depositantes seja dada a proteção de um fundo comum europeu.

Em princípio, também não vejo razão para que Portugal não apoie a proposta da Comissão Europeia de aprofundar a integração dos mercados de ações e obrigações e de reforçar a supervisão dos agentes financeiros que neles operam. Contribui para diversificar as fontes de financiamento das empresas, para além do crédito bancário, através da melhoria das condições de acesso aos mercados de capitais.

Assim, se não surgiram imprevistos – que são sempre possíveis nos debates europeus – e sendo otimista, é provável que, como reação dos líderes europeus à crise da dívida soberana e às crises que atingiram os bancos em vários países, a União Económica e Monetária, na sua componente União Financeira, fique praticamente completa até às eleições para o Parlamento Europeu, em maio de 2019. Dela fariam parte três pilares: a União Monetária, a União Bancária e a União dos Mercados de Capitais.

No que se refere à União Orçamental e à União Económica, parece-me pouco provável que, até às eleições para o Parlamento Europeu, o consenso político na Zona Euro vá além do reforço do apoio europeu às reformas estruturais para a competitividade e de uma intenção de resposta europeia aos choques assimétricos.

Apesar de uma coligação CDU-SPD poder manifestar alguma abertura para um aumento da contribuição da Alemanha para o orçamento comunitário, importa não esquecer que uma função estabilizadora europeia tem sido interpretada nos meios políticos alemães como um mecanismo de transferência permanente de recursos dos países mais ricos para os menos desenvolvidos, merecendo, por isso, a sua oposição. É, portanto, necessário convencer primeiro os partidos políticos alemães de que trata de uma interpretação errada.

Apesar de alguns governos insistirem em culpar Bruxelas por os forçarem a fazer o que deve ser feito, o certo é que a transparência melhorou, as contas públicas estão mais disciplinadas, algumas reformas vão sendo feitas

Palestra Tocqueville - Portugal e o aprofundamento da União Europeia

Também não prevejo qualquer avanço em relação à proposta do Presidente Macron, referente a toda a União Europeia e não só à Zona Euro, e que beneficia do apoio da Alemanha, de harmonização da tributação dos lucros das sociedades, para pôr fim à concorrência desleal resultante de taxas de imposto muito baixas vigentes em alguns Estados-membros.

O relatório de Onno Ruding, ex-ministro das finanças holandês, datado de 1992, concluiu que as diferenças entre Estados-membros quanto aos impostos sobre as sociedades distorcem o funcionamento do mercado interno e que a concorrência fiscal não conduz à eliminação dessas diferenças. Passaram 25 anos e os avanços nesta área, que aliás seriam benéficos para Portugal, foram muito limitados. À forte resistência da Irlanda, juntou-se a oposição dos países do leste europeu.

Para terminar, chamo a atenção para o facto de os avanços na construção de uma genuína União Económica e Monetária implicarem um alargamento das áreas de soberania partilhada e, consequentemente, perdas adicionais de graus de liberdade na definição e execução de políticas económicas autónomas por parte dos Estados-membros da Zona Euro, nomeadamente no domínio orçamental.

Em contrapartida, se os governos, nas áreas da sua competência, adotarem as políticas certas, o aprofundamento da inte- gração europeia garante um futuro melhor aos cidadãos europeus. Ora, esse deve ser o principal objetivo dos políticos europeus.

O “bode expiatório” de Bruxelas tem-se revelado útil para evitar a persistência de erros de política económica por parte de alguns governos europeus. A experiência das últimas décadas demonstra que as restrições impostas pela pertença à Zona Euro são um travão à falta de transparência das contas públicas e ao enviesamento dos políticos a favor dos défices orçamentais e também um travão ao adiamento das reformas indispensáveis ao desenvolvimento económico e social.

Apesar de alguns governos insistirem em culpar Bruxelas por os forçarem a fazer o que deve ser feito, o certo é que a transparência melhorou, as contas públicas estão mais disciplinadas, algumas reformas vão sendo feitas, pelo que os portugueses, tal como outros povos europeus, têm múltiplas razões para agradecer à União Europeia e à Zona Euro.

E é principalmente porque a integração europeia, se acompanhada por decisões certas por parte do Governo, garantirá um futuro melhor para os portugueses, que Portugal tem a obrigação de continuar, como esteve nos últimos 32 anos, na linha da frente do processo de aprofundamento do projeto.


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