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Esta edição de Nova Cidadania abre com um notável artigo do nosso fundador e Presidente do Conselho Editorial, Mário Pinto. O texto conclui uma trilogia que vinha sendo publicada na nossa revista acerca do papel do Estado numa sociedade livre e solidária. E exprime também uma batalha moral e cultural que distingue desde sempre o nosso querido Amigo Professor Mário Pinto.

O significado, o legado e o futuro do neoconservadorismo são, frequentemente, temas fervorosamente contestados. Mas a história do neoconservadorismo – particularmente a sua história inicial – tem sido considerado, há muito, uma área amplamente instituída.

De acordo com a narrativa prevalecente, os membros da primeira geração de neoconservadores – de entre os quais Irving Kristol é talvez o mais famoso – eram intelectuais de esquerda que surgiram a questionar e a rejeitar os dogmas do liberalismo progressivo durante os anos 60, especialmente em resposta ao radicalismo cultural dos movimentos de protesto estudantis e à ambição equivocada da Grande Sociedade. “Assaltados pela realidade”, como Kristol memoravelmente referia, eles embarcaram numa viagem em direcção à direita, explicando-se por via de publicações como a revista trimestral de Kristol, The Public Interest, ou a revista mental de Norman Podhoretz, Commentary. A sua heresia despertou a ira dos ex-camaradas de esquerda, um dos quais, o teórico político Michael Harrington, é tido como tendo sido o primeiro a aplicar-lhes o termo “neoconservador”, numa crítica à Public Interest desenvolvida num ensaio de 1973 na revista social-democrata Dissent.

e à sua esposa, a historiadora Gertrude Himmelfarb. Esta história envolve décadas de evolução intelectual e tem início bem antes dos empolgantes anos 60 com uma inclinação profundamente conservadora de compreender a vida moderna através da lente da tradição Anglo-Americana do pensamento político.

Partindo de um arquivo de material nunca antes em ambos os lados do Atlântico, podemos agora recontar uma história de longe mais minuciosa e precisa de Kristol, Himmelfarb e do seu contexto intelectual. Ao fazê-lo, podemos lançar uma nova luz tanto no ambiente intelectual da América do pós-guerra, bem como nas raízes da “persuasão” filosófica que transformaram, eventualmente, a política Americana.

Há uns anos, o colunista de tecnologia do New York Times, David Pogue, fez uma lista das cinco fases da dor da perda de ficheiros informáticos: negação, raiva, negociação, depressão e mudar-se para o campo Amish. Parece uma boa descrição do estado de espírito que domina muitos conservadores americanos actualmente.

Será que os conservadores perderam os seus “ficheiros informáticos”? Em reacção à nossa actual convulsão política, muitos analistas consideram que sim. Mas antes de podermos avaliar a situação difícil em que se encontra hoje o conservadorismo, é necessário percebermos como se chegou até aqui. Tenciono fazê-lo do ponto de vista da história intelectual do conservadorismo americano depois da Segunda Guerra Mundial, momento em que ganhou forma a comunidade conservadora tal como a conhecemos.

O conservadorismo americano moderno não é, nem nunca foi, monolítico. É uma coligação, com vários pontos de partida e diversas tendências, que nem sempre são facilmente conciliáveis.

No fim da Segunda Guerra Mundial, não existia, nos Estados Unidos, uma força intelectual conservadora articulada e coordenada. Havia, na melhor das hipóteses, vozes de protesto dispersas. Algumas delas eram profundamente pessimistas em relação ao futuro do seu país e estavam convencidas de que constituíam um resquício isolado, do lado errado da história. História, de facto, parecia ser o que a Esquerda estava a fazer. A Esquerda – liberais, socialistas, e até comunistas – parecia controlar plenamente o século XX.

Para conjeturar qual teria sido a posição de Hayek no referendo britânico sobre a UE e sobre o estado atual do projeto europeu, mais genericamente, é instrutivo considerar a sua biografia.

Para conjeturar qual teria sido a posição de Hayek no referendo britânico sobre a UE e sobre o estado atual do projeto europeu, mais genericamente, é instrutivo considerar a sua biografia. A primeira metade da longa vida de Hayek foi caracterizada pelo desenrolar constante da ordem liberal na qual ele tinha nascido. Em 1899, a Europa estava praticamente sem fronteiras, com apenas um punhado de países mais subdesenvolvidos, como a Rússia e o Império Otomano, a requerer os passaportes nas suas fronteiras. Era um mundo de comércio livre, imigração em grande escala, baixa tributação e pouca regulação dos assuntos privados e um elevado nível de inovação cultural.

Tudo isso desapareceu quando a obra mais popular de Hayek, O Caminho para a Servidão, foi publicada, em 1944. A sua terra-natal, a Áustria-Hungria, uma monarquia multinacional, poliglota, cosmopolita e – no final do século XIX – liberal foi dissolvida e substituída por Estados-nação, muitos deles produto de desígnio humano nas várias conferências de paz. A Primeira Guerra Mundial interrompeu a expansão do comércio mundial, enquanto a Grande Depressão viu desafiado o consenso em torno da política monetária – o padrão-ouro – e da política económica – laissez-faire – e depois substituído por abordagens mais intervencionistas. Finalmente, a Revolução Russa de 1917, a ascensão ao poder dos fascistas de Mussolini em Itália e a eleição de Hitler em 1933, todos estes acontecimentos introduziram formas de governos socialistas em grande parte da Europa.

Estes eventos e o horror da Segunda Guerra Mundial moldaram os desenvolvimentos do pós-guerra. Por um lado, o planeamento do governo de uma parte significativa da atividade económica era considerado um dado adquirido. Este foi o caso mesmo nas economias “livres” do Ocidente, que competiam por domínio intelectual e político com os países comunistas não-livres. Por outro lado, foram criadas instituições – GATT, FMI e ONU – numa tentativa deliberada para promover a paz, evitar as políticas económicas prejudiciais do período pós-guerra e encorajar relações mutuamente benéficas entre países.

A UE dos dias de hoje vai muito além do que Hayek poderia imaginar sobre qual seria o papel legítimo de uma federação.

No nosso debate sobre o Brexit no IEA [Institute of Economic Affairs], o meu adversário e colega Diego Zuluaga apelou à autoridade da defesa de Friedrich Hayek de uma federação económica europeia como prova de que a UE deve ser algo que os adeptos do mercado livre devem apoiar. Porém, uma releitura do ensaio de Hayek “As Condições Económicas do Federalismo Interestatal” mostra claramente que a UE, tal como está atualmente constituída, não corresponde à sua visão. Por uma variedade de razões, algumas das quais simplesmente não poderiam ter sido previstas em 1939, tanto o desenvolvimento institucional da UE como o contexto de um mundo globalizado significam.

No contexto que antecedeu a Segunda Guerra Mundial talvez não fosse surpreendente que Hayek se centrasse na forma como as instituições europeias poderiam travar os excessos do nacionalismo. A sua visão era muito a de uma federação económica entre as nações europeias, com a manifesta intenção de proporcionar a paz através da prosperidade. Hayek acreditava que uma federação, sob a forma de uma zona onde fatores de produção e bens e serviços fossem capazes de circular livremente sob uma única moeda, conseguiria mais prosperidade através dos ganhos do comércio, aumentando a probabilidade de paz através quer da interdependência quer da riqueza crescente ao proteger a Europa de forças externas. Além disso, e mais importante, uma federação provaria ser um forte contrapeso à proteção nacionalista, devido à eliminação diretamente das proteções e à disciplina da concorrência interna criada através de Estados que são capazes de variar os seus sistemas fiscais e regulatórios. Evidentemente, em alguns aspetos, a UE é a realização da visão de Hayek. Na verdade, se analisarmos a conferência de Messina e o Tratado de Roma, a ideia original era quase exatamente como aquela que Hayek apresentou no referido ensaio e proveio sobretudo dos Ordoliberais na Alemanha e Itália.

Os defensores do mercado livre devem apoiar a livre circulação de bens, serviços, capital e trabalho que tem sido cumprida, e estes possivelmente contribuíram mais para a paz e prosperidade do que muitos eurocéticos admitiriam. As normas da legislação do mercado único têm ajudado claramente a liberalizar alguns países. As regras relativas à ajuda estatal impedem os interesses nacionalistas mesquinhos, são proeminentes em algumas políticas europeias, caracterizadas por favoritismo e proteção. Estes são constrangimentos saudáveis aos governos, em favor da liberdade, que os adeptos do mercado livre devem apoiar. E, contudo, a UE dos dias de hoje vai muito além do que Hayek imaginaria ser o papel legítimo de uma federação. Como mencionei no meu discurso, longe de abraçar os princípios da diversidade, concorrência e subsidiariedade, que Hayek achava serem uma norma necessária, a UE, ao invés, tem uma agenda de harmonização e centralização, que vê a coordenação regulamentar de produtos como necessária para prevenir uma “corrida para o fundo”. Estes regulamentos são, geralmente, muito onerosos. O Tribunal de Justiça da União Europeia e as suas interpretações da lei têm visto a UE a envolver-se muito em processos de regulamentação, em áreas como o direito do trabalho, para impulsionar uma ‘Europa social’ (e se o relatório dos Cinco Presidentes for algo a seguir, em assuntos futuros como direito das falências e direitos de propriedade parece que a ideia deve continuar e, no entanto, acaba abruptamente). Isto é completamente desnecessário para proteger a liberdade económica.

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