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Homenagem - Bento XVI, Papa entre Paradoxos

Guilherme d'Oliveira Martins

Guilherme d'Oliveira Martins

Conselho de Administração, Fundação Calouste Gulbenkian; Conselho Editorial, Nova Cidadania

Tais paradoxos correspondem a uma articulação futurante entre a compreensão das raízes culturais e históricas da tradição e a perceção crítica da modernidade.

Em lugar da simplificação tão repetida centrada num perfil conservador, temos de entender que, ao longo do seu percurso teológico e pastoral, o Papa Bento XVI foi uma figura de paradoxos virtuosos. E tais paradoxos correspondem a uma articulação futurante entre a compreensão das raízes culturais e históricas da tradição e a perceção crítica da modernidade. O pensamento do Papa Emérito constitui motivo para uma reflexão aprofundada sobre o fenómeno religioso – relacionando fé e razão, como necessário modo de compreensão da pessoa humana enquanto centro da vida, mas também como assunção do pluralismo e das diferenças em contraponto ao relativismo ético. Desde o tempo em que foi perito no Concílio Vaticano II, junto do Cardeal Frings de Colónia, assumiu uma evidente abertura de espírito, bem presente na fundação da revista “Communio”, com Hans Urs von Balthasar e Henri de Lubac, e nas Encíclicas fundamentais que subscreveu como Sumo Pontífice - “Deus Caritas Est”, “Spe Salvi” e “Caritas in Veritate”, além da “Lumen Fidei”, partilhada com o Papa Francisco. Bento XVI foi um grande intérprete dos sinais dos tempos. Tradição e modernidade, razão e fé, complexidade e unidade são elementos que caracterizam o paradoxo virtuoso, como exigência de sentido crítico e de reflexão sobre a novidade e a diferença. O facto de citar autores não religiosos ou seculares nos seus documentos, o que antes não acontecia, e de abrir novas pistas de reflexão, demonstra bem uma capacidade teológica e profética desafiante, que concede aos seus documentos uma fecundidade essencial. A esta consideração teológica, temos de somar a coragem de ter sido pioneiro no assumir das responsabilidades dos católicos em matéria de exemplo moral, de ter denunciado com veemência as faltas de membros da Igreja, bem como as injustiças económicas ditadas pela crise financeira. E recordo como a reflexão sobre a esperança (no contributo decisivo de Charles Péguy) foi, na expressão e na vivência de João Bénard da Costa, motivo de fortalecimento de uma fé renovada. De facto, Henri de Lubac, baseando-se na teologia dos Padres da Igreja em toda a sua amplitude, «pôde demonstrar que a salvação foi sempre considerada como uma realidade comunitária». Por isso, a Carta aos Hebreus fala da “cidade” e de uma salvação comunitária. Deste modo, o pecado é entendido como destruição da unidade do género humano, como fragmentação e divisão. A «redenção» aparece, assim, em “Spe Salvi”, «como a restauração da unidade, onde nos encontramos novamente juntos numa união que se manifesta na comunidade mundial dos crentes». Agostinho de Hipona apresentou, por isso, o seu ponto de partida com a expressão «vida bem-aventurada», citando o Salmo 144 (143), 15: «Feliz o povo cujo Deus é o Senhor». Para poder formar parte deste povo e viver eternamente com Ele, “o fim dos mandamentos é promover a caridade, que procede de um coração puro, de uma consciência reta e de uma fé sincera” (1 Tm 1,5)». E esta vida verdadeira, para a qual tendemos, depende da união existencial com um «povo» e apenas pode realizar-se para cada pessoa no âmbito de uma partilha, na qual «nós» existimos singularmente e em comum, o que pressupõe, precisamente, o êxodo da prisão do próprio «eu», pois só com este sujeito universal se abre o olhar para a fonte da alegria, para o amor em pessoa, para Deus.

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