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George Washington - Um Homem para o Nosso Tempo — e para todos os tempos

William A. Galston

William A. Galston

The Brookings Institution, Washington, DC

Washington ensina-nos lições valiosas sobre a arte de governar.

Uma vez perguntaram a Ronald Reagan se nos seus tempos de actor tinha aprendido alguma coisa que lhe tivesse sido útil enquanto presidente. “Houve muitas ocasiões neste trabalho,” respondeu Reagan, “em que me perguntei como o conseguiria fazer se não tivesse sido actor.”

George Washington teria concordado. Ele adorava e ia ao teatro regularmente. Os seus amigos diziam que, se pudesse, ele teria ido todas as noites.

A sua peça favorita era um dos marcos do palco do século XVIII - Cato, de Joseph Addison, que opunha os últimos defensores da república romana contra as forças de Júlio César e o Império Romano nascente.

O tema central da peça são os deveres da cidadania — mais especificamente, o que significa (ou o que custa) pôr as necessidades de um país à frente das considerações pessoais.

Para nós, hoje em dia, estas exigências podem parecer extremas, quase desumanas. Quando Cato, o líder das forças republicanas, recebe a notícia de que o seu filho foi morto em batalha, ele apenas pergunta se o filho partiu de forma honrosa. Recusa-se a expressar qualquer sofrimento privado que possa ter sentido.

Numa das reviravoltas da peça, algumas das tropas de Cato amotinam-se e, num confronto dramático, ele alterna entre ameaças e humilhações para os convencer a reverter o seu caminho. Esta cena exerceu uma influência evidente e poderosa sobre a imaginação de Washington, quando enfrentou um desafio semelhante. Aqui, de forma resumida, está a história.

Perto do final da Guerra Revolucionária, muitos dos veteranos de Washington temiam não ter o que lhes tinha sido prometido pelo Congresso Continental quando se tinham alistado. À medida que os meses se arrastavam antes da conclusão formal da guerra, eles ficaram cada vez mais impacientes — e depois zangados.

Em Março de 1783, um grupo de oficiais descontentes procurou convocar uma reunião em Newburgh, Nova York, para ponderar um desafio directo à autoridade do Congresso.

Washington opôs-se a esta proposta e pediu um atraso de quatro dias para dar a seus soldados uma hipótese de acalmar. Quando os oficiais se reuniram, Washington, que havia insinuado que não compareceria, fez uma entrada dramática no salão e pediu uma oportunidade para intervir. Aí, fez um discurso que se baseou fortemente nos temas usados por Cato na peça de Addison.

A influência que o teatro tinha em Washington não se ficou por aqui. Mais no final do seu discurso, Washington tentou ler uma carta de apoio que tinha recebido. Depois de se esforçar para ler e balbuciar a primeira frase, fez uma pausa, pôs a mão no bolso e retirou um par de óculos que tinha arranjado recentemente. Enquanto os punha, disse, “Senhores, por favor perdoem-me. Fiquei grisalho ao vosso serviço, e agora estou a ficar cego.” Com este gesto teatral, os oficiais começaram a chorar. Washington acabou de ler a carta, e depois dobrou-a e saiu da sala de forma dramática embora a reunião ainda estivesse a decorrer, implicando (como foi sugerido por um académico) que qualquer defesa adicional do apelo ao motim era impensável.

E assim aconteceu. A reunião rapidamente se dissipou, mas não antes de ser aprovada uma moção de agradecimento pela intervenção de Washington. Dias depois, ao transmitir ao Congresso uma petição pacífica para a compensação dos seus soldados pelas suas queixas, ele fez de tudo para elogiar o seu patriotismo. Com a sua eloquência e teatralidade, Washington tinha, sozinho, dissipado uma revolta militar que podia ter estrangulado o governo constitucional da América enquanto este ainda estava no berço.

Quando um visitante americano informou o Rei George III da intenção de Washington de renunciar à sua comissão depois da guerra acabar, o rei respondeu que “se ele fizer isso, será o melhor homem do mundo.” E assim fez Washington. Imitando conscientemente o herói romano Cincinato, ele regressou à sua quinta depois de guiar o seu exército para a vitória. Depois de dois árduos mandatos como presidente, os seus amigos imploraram-lhe que continuasse em funções, argumentando (correctamente, como depois se viu) que se ele deixasse as funções, o conflito entre as forças que rodeavam John Adams e Thomas Jefferson poderia dividir o país e ameaçar a constituição. Ele recusou e regressou à sua quinta uma última vez, morrendo apenas dois anos depois.

A liderança de Washington transmite uma lição dolorosamente relevante para o nosso próprio tempo: sem bom carácter, nem as instituições mais bem desenhadas funcionarão bem e poderão colapsar.

Washington também nos ensina lições valiosas sobre a arte de governar. Escolheu os conselheiros mais talentosos que podia encontrar — Jefferson, Madison, e Alexander Hamilton, por exemplo — mesmo que eles discordassem entre si. Embora a maioria dos seus conselheiros fossem mais instruídos do que ele e mais sábios sobre os detalhes de políticas públicas, ele acreditava que podia usar as suas capacidades — e os seus desacordos — para fundamentar respostas sábias a problemas públicos.

Como os contemporâneos de Washington atestaram, o seu método de tomar decisões reflectia essa confiança. Ele começava invariavelmente por solicitar uma ampla gama de pontos de vista por escrito. Trabalhava arduamente para entender os melhores argumentos de todos os lados, muitas vezes pedindo a um conselheiro que respondesse aos pontos de vista de outro. Deliberava cuidadosamente, o que muitas vezes significava demorar mais do seria desejado pelos seus impacientes assessores. Mas uma vez que tomava a sua decisão, executava-a inabalavelmente, fossem quais fossem as dificuldades que encontrava ao longo do caminho. Para maximizar as hipóteses de sucesso, ele insistiu que todos os seus subordinados falassem a uma só voz em apoio às suas decisões, qualquer que fosse a posição que tivessem tomado antes da decisão ser tomada. O seu histórico de conquistas como presidente atesta a sabedoria desta prática.

Sem bom carácter, nem as instituições mais bem desenhadas funcionarão bem e poderão colapsar

O sucesso da liderança de Washington também se baseou em factores menos tangíveis. Ele era capaz de se distanciar dos apegos pessoais para reflectir com calma sobre os assuntos com que se deparava. Tinha noção do que que cada ocasião específica exigia, em tom e substância, e qual a tarefa principal do momento. Ele estava sempre ciente dos efeitos mais amplos das suas ações e decisões; ele sabia que estava a estabelecer precedentes que moldariam a instituição da presidência.

Washington foi agraciado com virtudes intelectuais que não podem ser ensinadas, nomeadamente e principalmente o bom senso e a previdência. Dois exemplos serão suficientes. Quando ele começou a ler os Federalist Papers, viu imediatamente que, embora fossem escritos para um propósito prático imediato – assegurar a ratificação da Constituição – eles teriam uma influência duradoura na nossa compreensão das instituições constitucionais. E quando, durante os primeiros dias da Revolução Francesa, o marquês de Lafayette lhe escreveu cartas optimistas, ele escreveu de volta para alertar o seu amigo de que a moderação inicial poderia dar lugar a um extremismo difícil de controlar.

Passo, finalmente, da liderança e do carácter de Washington para os seus princípios. Apesar de alguns conservadores contemporâneos alegarem o contrário, Washington era um defensor do Iluminismo - e do papel central da razão e da ciência nos assuntos públicos. Estava comprometido com o essencial daquilo a que hoje chamamos democracia liberal. Apesar das suas inclinações aristocráticas, ele insistia que toda a autoridade legítima se fundamentava no consentimento dos governados. Apesar de ficar aborrecido com a cobertura hostil da imprensa da oposição na sua época, defendia firmemente a liberdade de imprensa. E talvez ainda mais importante defendeu, contra muitos cépticos a liberdade religiosa.

Concluo com uma história que exemplifica não apenas o compromisso de Washington para com a liberdade religiosa mas também a duradoura influência de Portugal na sociedade americana. Depois de Rhode Island ratificar finalmente a Constituição em 1790, Washington decidiu premiar o retardatário com uma visita. Moses Seixas, o líder de uma comunidade judaica de ascendência portuguesa em Newport, Rhode Island, escreveu uma carta a Washington, dando-lhe as boas vindas ao estado e elogiando a sua liderança. Washington respondeu com uma carta que se tornou uma afirmação clássica da liberdade religiosa. Prometeu à Sinagoga Touro mais do que mera tolerância religiosa, afirmando que “A tolerância já não será falada como se fosse indulgência de uma classe que outra pudesse desfrutar do exercício dos seus direitos naturais e inerentes.” Os Estados Unidos não exigiam — ou precisavam — de conformidade religiosa, explicou Washington. “O Governo dos Estados Unidos, que não sanciona o fanatismo, que não apoia qualquer perseguição, exige apenas que aqueles que vivem sob a sua protecção sejam em si bons cidadãos que lhe dão em todas as ocasiões apoio efectivo.”

Washington terminou a carta com uma alusão ao profeta Miqueias, que se provou profética na América: “Que os filhos de Abraão, que habitam nesta terra, continuem a merecer e a gozar da boa vontade dos demais habitantes; enquanto cada um se senta em segurança sob a sua própria videira e figueira, e não haja ninguém que o faça temer.”

Espero não ofender ao constatar que a perda de Portugal depois de 1496 foi o ganho de Washington três séculos depois, e o ganho do mundo após isso.

Tradução por Maria Cortesão Monteiro


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