
Carl Gershman
Presidente e fundador, National Endowment for Democracy
A invasão aconteceu num momento de um pessimismo geral e profundo acerca do futuro da democracia.
Duvido que entre nós haja alguém que não saiba que o mundo mudou drasticamente nos últimos meses, como resultado da invasão russa da Ucrânia a 24 de Fevereiro e da inesperadamente feroz resistência ucraniana. A invasão aconteceu num momento de um pessimismo geral e profundo acerca do futuro da democracia. Num artigo publicado no Journal of Democracy apenas um mês antes da invasão, Larry Diamond alertava que “Este é o momento mais negro para a liberdade em meio século”, com a democracia em risco devido ao “ressurgimento global do autoritarismo” e crescente colaboração para fazer avançar os interesses e normais autoritários. Esta apreensão atingiu o seu pico a 4 de Fevereiro, quando Vladimir Putin e Xi Jinping assinaram uma declaração conjunta que estabelecia formalmente entre a Rússia e a China uma parceria estratégia “sem limites” para expandir a sua influência global naquilo que chamaram - ironicamente, como em breve se perceberia - “um nova era… de transformação profunda.” Não tinha forma de saber, claro, que a invasão da Ucrânia, que Putin atrasou por favor a Xi até ao momento imediatamente a seguir à conclusão dos Jogos Olímpicos de Pequim, daria à ideia de uma nova era um significado muito diferente do que aquele que tinham pretendido.
E assim foi. Tal como disse o Presidente da Ucrânia Volodymyr Zelensky disse a uma sessão do Congresso americano em Março, a agressão da Rússia desencadeou “um terror que a Europa não via há 80 anos.” A invasão transformou a geopolítica da Europa. Revitalizou a aliança da NATO, cuja raison d’être defensiva estava a ser questionada desde o fim da Guerra Fria. Uniu os Estados Unidos e os seus aliados europeus numa agenda de apoio à Ucrânia, impondo à Rússia esmagadoras sanções financeiras e económicas, e acabando com a dependência ocidental de petróleo e gás russos. E impeliu a Alemanha a romper com quase sete décadas de acanhamento militar e perpétua aproximação com a União Soviética — e mais tarde com a Rússia de Putin — aumentando drasticamente os seus gastos com defesa e concordando em fornecer à Ucrânia armas pesadas e outros equipamentos militares. O chanceler alemão Olaf Scholz chamou a esta invasão Zeitenwende, um momento de viragem que significou a mudança de era.

Ghia Nodia
Director, International School of Caucasus Studies, Tbilisi
Os ucranianos relembraram-nos que a democracia e a liberdade são algo pelo qual é suposto lutarmos, algo que requer paixão e preparação para o sacrifício.
O que aprenderam ou deviam aprender os defensores da democracia com a invasão da Ucrânia pela Rússia, a resistência da primeira, e a resposta internacional a tudo isto? Antes de mais, os ucranianos relembraram-nos que a democracia e a liberdade são algo pelo qual é suposto lutarmos, algo que requer paixão e preparação para o sacrifício.
Isto não é, obviamente, uma ideia nova. No entanto, nas últimas décadas, habituámo-nos a ver a expansão da democracia como algo mais racional, mais cerebral, se quiserem. A democratização, a expansão da democracia podia ser apresentada como um processo desenhado racionalmente, um conjunto de “reformas” implementadas por pessoas razoáveis que seguiam modelos bem testados.

Wilhem Hofmeister
Ex- Director para Portugal e Espanha da Konrad Adenauer Stiftung, Madrid
Na sua resistência à invasão russa os bravos ucranianos estão a defender não apenas o próprio país, mas também o que entendemos serem os valores da democracia liberal.
1) A guerra na Ucrânia e o futuro da democracia europeia
Que na sua resistência à invasão russa os bravos ucranianos estão a defender não apenas o próprio país, mas também o que entendemos serem os valores da democracia liberal é uma convicção generalizada - compartilhada principalmente e antes de mais na Europa, América do Norte (EUA e Canadá), mas também no Japão, Coreia do Sul, Taiwan, Austrália e Nova Zelândia. Assim sendo, europeus e norte-americanos têm apoiado politicamente os ucranianos na sua resistência e, sobretudo, têm reforçado as suas capacidades de defesa militar. Não há qualquer dúvida de que desde o início os EUA, sob a liderança do presidente Biden, lideram esse apoio, retornando assim ao seu antigo papel de potência líder na promoção e defesa da democracia, papel esse que nos últimos anos sofreu muito aos olhos da opinião pública mundial devido à retirada do Afeganistão e outras operações política e militarmente duvidosas. Alguns países europeus — e isso infelizmente inclui o meu próprio país, a Alemanha — demoraram um pouco mais a perceber que a atitude anterior de apaziguamento e contenção em relação à Rússia era baseada em falsas avaliações e expectativas. A Alemanha, o que neste caso significa sobretudo o Governo Federal Alemão, demorou ainda mais do que a maioria dos seus vizinhos e parceiros europeus a reconhecer a dimensão da guerra na Ucrânia, as consequências daí resultantes e as reacções necessárias. O presidente alemão Steinmeier admitiu esse erro de julgamento de anos numa entrevista dada a 5 de abril, quando disse:

Luís de Almeida Sampaio
Embaixador de Portugal em Praga, República Checa
É fundamental deixar claro que não se ignora que a ordem internacional foi gravemente posta em causa pela invasão russa da Ucrânia.
Muitas vozes com responsabilidades políticas, intelectuais e académicas acreditam que o futuro da Europa se joga na Ucrânia – novamente invadida pela Rússia desde 24 de fevereiro de 2022 e barbaramente agredida, designadamente através de ações militares que alguns observadores não hesitam em considerar podem configurar crimes de guerra e crimes contra a humanidade – e defendem que tudo deve continuar a ser feito (dentre o que está ao alcance dos países amigos da Ucrânia, nomeadamente dos Estados membros da União Europeia e da NATO, no quadro dos limites impostos pelos Tratados que regem estas Instituições), para garantir que a Ucrânia possa afirmar o seu direito à autodefesa e o seu direito à autodeterminação.
Simultaneamente, não faltam outras vozes, com indiscutível equivalente responsabilidade política e credenciais intelectuais e académicas, que insistem na necessidade e urgência de uma rápida solução negociada para o conflito, mesmo que para tanto a Ucrânia deva fazer concessões – desde logo territoriais, mas também limitando a sua soberania e o seu direito à autodeterminação – e que o Ocidente deve encontrar formas e mecanismos de acomodar as pretensões e exigências russas, que estão na base da narrativa utilizada pelo Kremlin para justificar a invasão.

José Miguel Sardica
Professor, Faculdade de Ciências Humanas e Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa
Recordar uma vida e uma obra. O seu reinado, os seus exílios, e o seu legado.
1. A casa real Habsburgo foi uma das mais im- portantes linhagens de poder e de sangue na história da Europa e, seguramente, a maior monarquia católica do velho mundo ao longo de séculos. O seu ato de nascimento político remonta a 1278, quando Rodolfo de Habsburgo, um nobre de origem suíça, conquistou Viena. Vitórias militares e casamentos nobiliárquicos deram aos Habsburgo, para lá da Áustria, a Flandres, os Países Baixos, o Franco-Condado, a Espanha, Nápoles e a Sicília, a Boémia e a Hungria, bem como as Américas, no tempo de Carlos V, senhor de um vasto império sobre o qual o sol nunca se punha. A separação entre o ramo austríaco e o ramo espanhol dos Habsburgo enfraqueceu a ambição do lema «A-E-I-O-U», ou seja (e em latim), «Austriae est imperare orbi universo». Ainda assim, os monarcas de Viena ostentaram o título de Sacro Imperador Romano-Germânico até serem destitularizados por Napoleão Bonaparte, em 1806. No século XIX, expulsos da Lombardia e do Véneto pela unificação italiana, e da Confederação Germânica pelos Hohenzollern e por Bismarck, que fizeram nascer a nova Alemanha, os Habsburgo regressaram à sua configuração danubiana original.
A partir de 1867, o velho império austro-húngaro reinventou-se como uma Monarquia Dual (a Ausgleich), ainda e sempre a grande muralha católica da Europa face ao inimigo turco-otomano. Da Áustria aos Balcãs (a Bósnia foi a sua última conquista, já em 1908), da Boémia à Galícia (isto é, partes da Polónia e da região oeste da atual Ucrânia), da Hungria à Morávia ou à Eslavónia, o império austro-húngaro era, no início do século XX, um gigantesco conglomerado, garante da estabilidade possível na vasta Mitteleuropa, com 52 milhões de habitantes, 18 reinos ou Estados, 14 línguas e quatro religiões. E, no entanto, séculos de história de liderança europeia desfizeram-se em apenas quatro anos – o quadriénio da Grande Guerra de 1914-1918.