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Terminar a Revolução - A Política Portuguesa de Napoleão a Salazar


Terminar a Revolução - A Política Portuguesa de Napoleão a Salazar

José Miguel Sardica acaba de publicar este desenvolvimento da sua lição de síntese nas provas de agregação obtida na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica.

José Miguel Sardica
Terminar a Revolução
A política portuguesa de Napoleão e Salazar

Temas e Debates, Círculo de Leitores 2016

por Ricardo Vélez Rodríguez Manuel Braga da Cruz

Professor Catedrático e antigo Reitor (2000-2012) da Universidade Católica Portuguesa. Membro do Conselho Editorial de Nova Cidadania

Trata-se de uma tentativa de interpretação da história contemporânea de Portugal. Nada permite compreender tão bem o que se passou nos dois últimos séculos em Portugal como vê-los á luz desta ideia de revolução e do esforço de a levar a cabo. “Muitas revoluções, nenhuma revolução. Em quatro palavras, este poderia ser um curtíssimo resumo da história política do Portugal contemporâneo”, diz-nos o auto a abrir.

Portugal introduziu a modernidade por via revolucionária, de forma importada, a partir de cima. A transição do antigo regime para a contemporaneidade moderna foi operada por via de várias revoluções políticas, num país que não conheceu revolução industrial nem sociedade industrial dominante. “A revolução liberal introdutora da modernidade, - diz o autor a concluir - não resultou em Portugal, de uma maturação ideológica própria, mesmo que influenciada pelos contactos europeus de finais do séc. XVIII e inícios do século XIX. Nunca houve… uma difusão e aculturação alargadas da ideologia liberal… a revolução apenas chegou a Portugal na ponta das baionetas francesas, a quando das invasões napoleónicas”.

José Miguel Sardica faz sua a tese de Oliveira Martins de que o Estado e a sociedade liberais não foram “o resultado de dinâmicas mais ou menos longas de desenvolvimento, segundo as quais a melhoria económica, a maturação progressiva de uma classe média burguesa com consciência cívica e a sua politização a caminho da conquista do poder geram naturalmente uma incompatibilidade entre a rotina do status quo e as aspirações novas”. A eclosão revolucionária foi entre nós um artificialismo, e devido ao seu “isolamento sociológico, não durou”. Uma minoria impôs “à grande maioria silenciosa ou tradicionalista da nação um projecto de constitucionalismo monárquico que nunca se libertou – ou tardou a conseguir fazê-lo – do seu caracter de produto importado, estrangeirado, exótico, vitorioso pelas armas e mantido por uma fina camada de políticos liberais, isolados num micromundo com escassas ligações ao grosso da população”. O liberalismo não saiu do “sangue da nação”, mas foi uma “conquista à mão armada, que substitui a classe governativa do reino”. Vitorioso, “graças às armas estrangeiras”, o constitucionalismo permaneceu “uma quimera doutrinal”, uma “tirania de fórmulas abstractas”.

No entanto, apesar de artificial e imposto pela guerra, o liberalismo operou uma rotura política, jurídica e administrativa, e sobreviveu sob tutela do exército a um ciclo de rebeliões só sustida com a Regeneração conservadora, que substituiu a agitação pela “tranquilidade política, estabilidade social e crescimento económico”.

De igual modo, o republicanismo radical impôs a um país que lhe era alheio uma revolução que pretendia modernizar coercitivamente Portugal. Esta reedição da revolução, circunscrita, social e geograficamente falando, tornou-se odiosa à maioria da Nação. “Governar em clima de ditadura ou de intimidação quotidiana impediu que o regime alguma vez se estabilizasse”, diz-nos José Miguel Sardica. O republicanismo, que nunca conheceu outra legitimidade que não fosse a revolucionária, caiu por isso, primeiro às mãos da “revolução sidonista”, uma “revolução para terminar as revoluções”, e mais tarde, depois da violência incontrolável que se lhe seguiu, às mãos da “revolução nacional” que instaurou a Ditadura Militar e preparou o advento do Estado Novo, “revolução da Ordem”.

Terminar a Revolução - A Política Portuguesa de Napoleão a SalazarAo contrário do que se passou em França, aqui a revolução não “entrou no porto”, como François Furet admitia que acontecera em finais do século XIX. Em Portugal, a revolução exilou-se.

Como explicar este traço contínuo da contemporaneidade portuguesa? José Miguel Sardica elenca seis razões fundamentais:

Em primeiro lugar, devido ao caracter importado da revolução, sempre o país legal e o país real viveram divorciados. Foi este país legal, centrado na capital, isolado da nação, que se entregou á revolução. Este dualismo foi uma das grades fraquezas da modernização. Por outro lado, o atraso social do mundo rural, fortemente analfabeto, contrastava com o mundo urbano, erudito. O povo, como dizia João Chagas, “nunca existiu”, era preciso inventá-lo revolucionariamente.

Ao atraso social e cultural juntava-se o atraso económico. Sem o Brasil, as finanças entraram em crise. O fomento do fontismo assentara no crédito externo, aumentando a dívida, levando à dependência e à bancarrota.

O republicanismo radical impôs a um país que lhe era alheio uma revolução que pretendia modernizar coercitivamente Portugal

A escassez de recursos e a pobreza relativa do país, gerou a empregomania pública, a dependência do Estado, e a disputa da sua gestão política em proveito próprio, originando as revoluções permanentes. “As oposições, explica o autor, tinham de recorrer à revolução para conseguir guindar-se ao poder e conquistar os tão almejados empregos – que eram, para uns, garantia de poder e para outros, muito mais numerosos, garantia de sobrevivência”. Foi nesta empregomania que levou à convicção de uma “República para os republicanos”.

Para além disso, o debate político era “insultuoso e feroz”, criando um clima de crispação e divisão irreconciliáveis.

Por último, a politização dos militares era acompanhada pela militarização da política. As fronteiras entre a vida política e a vida militar era ténue, o que levava à banalização da ameaça armada, e tornava a revolução quase sempre latente. Daí os pronunciamentos, os levantamentos, os golpes, as insubordinações de militares. Os civis pegavam em armas tal como os militares se metiam na política. As forças armadas tornavam-se indisciplinadas, instrumentalizadas pelas facções políticas. Mantiveram-se porém sustentáculo da política.

Tudo isso tornava a revolução endémica, dificultando o equilíbrio entre a liberdade, a ordem e o progresso. A instabilidade caracterizou a modernidade em Portugal. Daí que fosse tão difícil e problemático, para os vários regimes que se sucederam, “enraizar uma cultura de compromisso liberal e terminar essa mesma revolução”, conclui o autor.

“Terminar a revolução” é um livro denso e sugestivo, uma obra de maturidade, só possível a quem dedicou já longa investigação a perscrutar estes dois últimos séculos da nossa história nacional, uma tentativa convincente de interpretação da contemporaneidade, que nos permite entender melhor o presente que resultou deste passado recente e perspectivar o futuro.


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