• Português (pt-PT)
  • +351 217 214 129
  • This email address is being protected from spambots. You need JavaScript enabled to view it.

Contra a Falsa Esperança


User Rating: 5 / 5

Star ActiveStar ActiveStar ActiveStar ActiveStar Active
 

Contra a Falsa Esperança

Era Cioran, o conhecido filósofo romeno, quem dizia que o pessimista era apenas o mártir do senso comum. A frase aplica-se a Roger Scruton, primus inter pares dos conservadores modernos.

Roger Scruton
The Uses of Pessimism and the Danger of False Hope

London: Atlantic Books, 2010

 Contra a Falsa Esperança

POR JOÃO PEREIRA COUTINHO

Professor Auxiliar do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa

Emesmo que o pessimismo de Scruton não seja da mesma natureza trágica (e ateia) do de Cioran, existe em Scruton essa igual vontade de demolir, com sabedoria e elegância, os «preconceitos progressistas » da modernidade. Um trabalho difícil e ingrato que pressupõe um confronto prévio com o pecado capital que os sustenta: o pecado da arrogância humana. O pecado do racionalismo extremo que, nas palavras do autor, leva os homens a acreditar que não apenas podem antecipar o futuro como, igualmente, controlá-lo.1

Eis a «falsa esperança» a que alude o título desta obra: um mecanismo intelectual que transforma problemas em soluções e desgostos em exaltações.2 Neste processo de optimismo radical – um processo que, para além de erróneo, pode ser perigoso – perde-se o «pessimismo» que deve nortear a acção política. Ou, talvez de forma mais rigorosa, perde-se o «cepticismo» de falava Oakeshott por oposição às «políticas da fé». Despreza-se a tradição, a lei estabelecida; e, naturalmente, o senso comum.

É contra esse assalto ao senso comum que Scruton se rebela. Um assalto que se encontra, desde logo, no mundo pós-humano dos cientistas transhumanistas que, nos seus desejos de abolir a morte pela conquista de uma eternidade artificial, acabarão também por abolir as virtudes humanas de paixão e compaixão que só são possíveis como resultado da nossa intrínseca mortalidade. Amamos porque não temos todo o tempo; um mundo de eternidade garantida seria também um mundo de tédio garantido. Um mundo onde nada é urgente porque não há urgência.

Mas a «falsa esperança» não reside apenas nessas buscas desesperadas de romper com as limitações naturais; também se encontra na busca desesperada de romper com as contingências que se abatem sobre a acção dos homens, alterando por vezes de forma dramática as suas intenções. A «falsa esperança» nega essa margem que não controlamos porque a mera admissão de resultados não-previstos seria uma admissão de fraqueza e, palavra proibida, de imperfeição intelectual. Nas palavras de Scruton,

there is a kind of addiction to unreality that informs the most destructive forms of optimism: a desire to cross out reality, as the premise from which practical reason begins, and to replace it with a system of compliant illusions.3

Contra a Falsa Esperança

E o que se torna verdadeiramente notável, e perigoso, na mentalidade optimista é que esta jamais aceitará a responsabilidade pelos seus fracassos. A responsabilidade será sempre dos outros. Será dos inimigos, sejam eles burgueses ou judeus; americanos ou israelitas; mas será também dos amigos, ou seja, daqueles que atraiçoaram, por ignorância ou tibieza, a beleza intocável do ideal. Não é por acaso que, ainda hoje, existe no Ocidente democrático quem tente salvar o ideal marxista da sua realização leninista.

É contra estes inimigos, voluntários ou involuntários, que o optimista deve lutar: salvando a utopia da reaccção; a liberdade real de uma liberdade ilusória.

E o que entende o optimista por liberdade real? Responde Scruton: freedom is what is left when we take all institutions, all restraints, all laws and all hierarchies away.4 A liberdade seria, numa tal concepção, um valor em crisálida que só poderia florescer, em suma, depois da destruição total.

É contra este radicalismo de ressonâncias rousseaunianas que o «pessimismo» de Scruton se manifesta. E manifesta-se ao negar a premissa fundamental de Rousseau de que, apesar de nascermos livres, nos encontramos aprisionados em toda a parte.

Os homens não nascem livres; como diria Oakeshott, eles tornam-se livres ao participarem na grande conversação da Humanidade. Ou, como escreve Scruton, freedom, however valuable in itself, is not a gift of nature but the outcome of an educational process, something that we must work to acquire through discipline and sacrifice.5

Disciplina e sacrifício. Haverá duas palavras mais distantes do linguajar optimista que promete um estado de perfeição e realização permanentes? Desconfio que não. Mas também desconfio que a gramática do anything goes é apenas uma falsificação grosseira da nossa condição. Porque sem «disciplina » e «sacrifício» os fundamentos da nossa civilização acabarão por sucumbir às investidas dos bárbaros.

Comecei com Cioran.É justo que termine com ele. Num dos seus mais conhecidos aforismos, escrevia o romeno: «Alarico [rei dos Visigodos] afirmou que um demónio o conduzira contra Roma. Todas as civilizações exaustas esperam pelo seu bárbaro e todos os bárbaros esperam pelo seu demónio.»

A exaustão moral e intelectual do Ocidente é também o resultado da forma como fomos entregando à«falsa esperança» os imperativos de negociação e prudência sem os quais as nossas sociedades não sobrevivem.


1 Scruton, Uses of Pessimism, 2;
2 Ibid., 5-6.;
3 Ibid., 25.;
4 Ibid., 42.;
5 Ibid., 54.


1000 Characters left


We thank our sponsors for their kind and generous support:

Logo Jerónimo Martins

Logo Fundação Calouste Gulbenkian

Logo Grupo José de Mello

logo ucp iep lisboa

More Information

more information regarding sponsorships, please click here to access the form.

Please publish modules in offcanvas position.