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Uma leitura imprescindível para todos os que se propõem reflectir e agir sobre a reforma, ou as reformas, do sistema político e do Estado em Portugal. |
A Democracia e o Estado em Portugal Para Pensar uma Reforma |
Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica
Este livro reúne um conjunto de ensaios de Manuel Braga da Cruz sobre alguns dos principais temas da democracia e do Estado em Portugal. É, por isso, um contributo teórico de leitura indispensável para todos os que estudam e refletem sobre estas matérias. O cruzamento articulado da História, da Sociologia e da Ciência Política perpassa toda a carreira académica e toda a obra de Manuel Braga da Cruz, permitindo uma leitura simultaneamente detalhada e abrangente, contextualizada e diacrónica, teórica e experimentada dos fenómenos e das instituições políticas. E é esta riqueza disciplinar e este rigor científico que encontramos ao longo das páginas que a Universidade Católica Editora dá agora à estampa na Coleção Ideias e Estudos Políticos. Em boa hora, em particular agora que caminhamos para a celebração de meio século da democracia portuguesa.
Nestes textos encontramos o académico e o intelectual público. Por isso constitui também uma leitura imprescindível para todos os que se propõem refletir e agir sobre a reforma, ou as reformas, do sistema político e do Estado em Portugal. Na sua famosa palestra proferida em 1918, Max Weber dedicou-se à tarefa de distinguir a natureza e o papel do cientista e do político. 1 Mas também respondeu à pergunta de como as ciências que estudam os fenómenos sociais e políticos poderiam dar um contributo para a vida prática através do método e da clareza com que nos apresentam os factos, as diversas perspetivas e opções que podemos adotar. E é também esse contributo e esse desafio de compreensão e de conhecimento que Manuel Braga da Cruz deixa a todos os que se predispõem a propor reformas na democracia e no Estado português.
Nestas páginas, podemos revisitar a análise da génese da democracia portuguesa nascida em 1974. De como a revolução é também fruto do fracasso de uma tentativa de transição democrática dentro do próprio Estado Novo. De como as primeiras eleições livres em 1975 constituem um momento essencial de uma escolha por um modelo de democracia representativa liberal, que não era consensual entre todos os atores políticos do período revolucionário, mas que foi sufragada e escolhida pela esmagadora maioria dos eleitores. A falácia da “democracia popular”, onde o povo de facto não teria o poder de escolher os seus representantes, foi derrotada nas urnas e seria novamente vencida no 25 de Novembro de 1975, naquela que foi uma tentativa de impor a “legitimidade revolucionária” de uma “revolução socialista” à “legitimidade eleitoral” de uma democracia pluripartidária. Como escreve Manuel Braga da Cruz: “O 25 de Novembro é o oposto, não do 25 de Abril, mas do 11 de Março” ( p.23). O autor descreve e conclui, de forma cristalina, que o sistema político democrático, em particular o sistema eleitoral de representação proporcional e o sistema de governo semipresidencial, resultaram quer da reação ao passado histórico, em particular do autoritarismo anterior, quer das vicissitudes do próprio processo de democratização, moldando o sistema partidário que se consolidou em Portugal.
A crise de eficiência do Estado só poderá ser superada com um novo equilíbrio entre as suas funções e a sociedade
Um dos méritos deste volume é o de que o autor não aborda apenas a história de sucesso da democracia portuguesa. Ao longo do livro podemos acompanhar as reflexões de Manuel Braga da Cruz sobre os sucessos da transição democrática, mas também sobre algumas insuficiências da evolução da nossa democracia, abordando aspetos como a crise da representação, o afastamento dos partidos da sociedade, a partidarização do Estado e a falta de uma cultura política de compromisso. De como um sistema político se pode justificar à luz do contexto histórico e social da sua génese e, simultaneamente, não se poder dar ao luxo de dispensar um debate informado que permita a sua renovação. Convidando o leitor a participar nessa reflexão, Braga da Cruz é um académico que tem a virtude, pouco comum, de apresentar propostas que podem ser escrutinadas, como sejam as de uma reforma do sistema eleitoral, a da (re)criação de uma segunda câmara ou da alteração do modo de eleição do Presidente da República.
Outro aspeto que torna especialmente atraente esta publicação é o de que, embora se trate de um conjunto de ensaios escritos em diversos momentos, ela permite identificar e acompanhar, mais do que uma complementaridade entre os diferentes textos, um pensamento denso e uma coesa corrente de ligação entre os tópicos abordados. Veja-se o debate sobre a reforma do sistema eleitoral como resposta ao afastamento dos partidos da sociedade e ao excesso de partidarismo no parlamento e na vida política em geral. E como este se interliga com as reflexões sobre a partidarização, o crescimento e a falta de eficiência e de eficácia do Estado. Refletindo sobre o sistema eleitoral para a Assembleia da República, Braga da Cruz nota como o método de eleição se traduz num excessivo peso das estruturas partidárias e aponta a necessidade de uma reforma que permita uma maior pessoalização do voto, responsabilizando mais os eleitos e (re)aproximando-os dos eleitores e da sociedade civil, permitindo uma maior renovação dos partidos. Repare-se como estas reflexões se completam com as análises que são feitas sobre o crescimento e a capacidade de resposta do Estado. À medida que se afastam da sociedade civil, os partidos sobrepõem-se de certa forma ao Estado, ao mesmo tempo que este revela traços de gigantismo e enfrenta uma crise de eficiência. No entender do autor, esta crise só poderá ser superada com um novo equilíbrio entre as funções do Estado e a sociedade, em que o princípio da subsidiariedade e um sentido de responsabilidade comunitário e individual seja (re)valorizado.
Por conseguinte, e na esteira de grandes nomes que moldaram a Ciência Política moderna e os princípios de funcionamento e de sustentabilidade das democracias como David Easton ou Seymour Martin Lipset, no pensamento e nas reflexões de Braga da Cruz sobre a democracia e o Estado está sempre presente o binónimo legitimidade política, representatividade das instituições políticas das democracias, e eficácia do Estado. Caso a atuação dos governos e das políticas públicas, as respostas às questões concretas e às expectativas dos cidadãos não seja consistente, uma crise de eficácia pode alimentar a crise de representatividade. Sendo que, como referimos anteriormente, a inversa também acontece. Todas as democracias necessitam de encontrar um equilíbrio entre estas duas dimensões, de forma a renovarem permanentemente a sua legitimidade, e a democracia portuguesa não constitui uma exceção. Por isso, e agora que nos aproximamos do meio século de vida da nossa democracia, este livro constitui um vigoroso e oportuno contributo para a reflexão e para pensar reformas na democracia e no Estado português.
Notas
1. S Weber, Max (1918/1979), “A ciência como vocação”, in O Político e o Cientista, Lisboa, Presença.
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