• +351 217 214 129
  • This email address is being protected from spambots. You need JavaScript enabled to view it.

José Mattoso: interrogar as raízes…


User Rating: 5 / 5

Star ActiveStar ActiveStar ActiveStar ActiveStar Active
 

Capa do Livro Levantar o Céu – Os Labirintos da Sabedoria

A atribuição a José Mattoso do Prémio Árvore da Vida - Padre Manuel Antunes constitui um justo reconhecimento de uma carreira exemplar de historiador, ensaísta, pedagogo e pensador a quem muito deve a cultura portuguesa.

José Mattoso
Levantar o Céu – Os Labirintos da Sabedoria
Temas e Debates, 2012

Guilherme d'Oliveira Martins

Guilherme d'Oliveira Martins

Conselho de Administração, Fundação Calouste Gulbenkian; Conselho Editorial, Nova Cidadania

Apropósito da identidade nacional, pode dizer-se que o contributo dado pelo escritor corresponde à consideração da diferença como fator de distinção e de complementaridade – e não como elemento de autossuficiência ou de suposta superioridade. “A identidade nacional, tal como existe hoje, resulta de um processo histórico que passou por diversas fases até atingir a expressão que hoje conhecemos”. Daí que as simplificações se revelem erróneas, sobretudo quando procuram ligar a identidade a elementos naturais, fazendo coincidir a nação com um modelo fechado ou completo de organização política e social. Se no caso português há especificidades, devem elas ser analisadas, em nome da complexidade e do conhecimento dos factos históricos. É verdade que, como muitos autores têm reconhecido, a coincidência entre Estado e Nação, como encontramos no caso português, exige a compreensão de que a encruzilhada de influências do “melting pot” demonstra a importância do intercâmbio de contributos, dados e recebidos, que permitem enriquecer a identidade como realidade aberta e dinâmica, como acontece com o património cultural, que não é uma reminiscência do passado, mas expressão da própria vida. As identidades são tanto mais ricas e fecundas quanto maior disponibilidade houver para a respetiva renovação e valorização. Os últimos anos, o fim do império, a perda das colónias, o retorno, a abertura democrática, a opção europeia permitiram compreender que “a História passou (…) a poder narrar um passado real, com ganhos e perdas, com avanços e recuos, fidelidades e traições, sucessos ou insucessos, unanimidades e contradições; e apesar de tudo como um passado constitutivo da coesão nacional, pelo simples facto de ser um passado comum e de resultar de uma experiência vivida em conjunto ou tornada memória coletiva” (A Identidade Nacional, Fundação Mário Soares – Gradiva, 1998, p. 104). Num tempo em que surgem nuvens negras no horizonte a propósito do fechamento das identidades, da emergência dos nacionalismos e de tentações absolutistas ou relativistas, a leitura da obra de um historiador como José Mattoso constitui motivo de tomada de consciência da responsabilidade cívica e da mediação das instituições como pedra de toque da democracia.

José Mattoso: interrogar as raízes…Nascido em 1933, José Mattoso dedicou a sua vida à docência universitária e ao estudo da história das ordens religiosas e das sociedades europeias dos séculos X a XIII. A Identificação de Um País (1985) é uma obra fundamental da historiografia do século XX, que deve ser colocada junto da melhor literatura moderna, desde Alexandre Herculano. A Nobreza Medieval Portuguesa (1982), O Reino dos Mortos na Idade Média (1996), Os Poderes Invisíveis (2001), ou D. Afonso Henriques (2006) constituem corolário lógico de uma investigação persistente, inteligente e rigorosa que nos permite compreender a uma nova luz as raízes da História portuguesa e da nossa cultura. De salientar ainda a direção de obras coletivas, como História de Portugal, Circulo de Leitores (1993-94), História da Vida Privada em Portugal (2010-11) e Património de Origem Portuguesa no Mundo, Fundação C. Gulbenkian (2010). Saliente-se que este último trabalho constitui base de uma plataforma dinâmica, em permanente atualização, que vive animada pelo espírito de abertura e de reconhecimento da importância de uma leitura dinâmica e crítica do Património Cultural, não como realidade do passado, mas como fator de enriquecimento mútuo e de criação de valor. Em 1987 recebeu o Prémio Pessoa e foi ainda diretor da Torre do Tombo (1996-98). Entre 2000 e 2005, colaborou na recuperação dos Arquivos de Timor-Leste, em colaboração com a Fundação Mário Soares. A sucinta referência destes elementos biobibliográficos tem de ser lida em ligação com a riquíssima reflexão espiritual e científica, que revela uma personalidade fascinante, sem cujo conhecimento não podemos compreender uma cultura viva, na qual encontramos a herança e a memória, bem como um entendimento do património cultural – material e imaterial, natural e paisagístico, técnico e digital, em articulação estreita com a contemporaneidade. É esta ligação entre património cultural e criação contemporânea, entre cultura e inovação que nos permite colocar o magistério de José Mattoso na linha da frente da mais rica reflexão da UNESCO e no Conselho da Europa.

Numa notável reunião de textos de 2012, Levantar o Céu – Os Labirintos da Sabedoria (Temas e Debates), lembrando a sua vida espiritual, José Mattoso reflete sobre Sabedoria e Razão e Sabedoria e Fé. A sabedoria obriga-nos a ir além das aparências e no entanto “parece-nos estar a caminho do abismo. O homem adquiriu meios técnicos de agir sobre a Natureza, mas não parece capaz de restaurar os equilíbrios que ela cria. São equilíbrios que condicionam a sobrevivência da Humanidade. O contraste entre o excesso de poder de uns poucos e o excesso de miséria da maioria é posto em evidência por todos os meios de comunicação. Estes informam-nos todos os dias e a toda a hora acerca do aquecimento global e dos seus efeitos sobre o mundo biológico, do aumento incontornável do lixo radioativo e dos materiais não recicláveis, da impossibilidade de verificar a nocividade das culturas transgénicas, da ocultação de produtos nocivos na industria alimentar e farmacêutica, da ausência de controlo da industria militar e da venda de armas, da escassez da água e da energia. Informam-nos, enfim, acerca de fragilidade do mundo em que vivemos (pp. 9-10).

“Levantar o céu” é o nome que os mestres do chi kung (uma variante do tai chi) dão a um dos seus exercícios, que consiste em levantar os braços em arco com as palmas das mãos apontadas uma para a outra viradas para cima, isto é para o “Céu”. Yiang (céu) contrapõe-se a Yin (terra) na cultura chinesa. Trata-se, no fundo, de reconhecer a importância da componente espiritual da existência. Eduardo Lourenço refere a importância de tentar “desvendar ou antecipar o que nos espera, o nosso destino” – ou seja, “da consciência de que essas coisas em que se crê, em que mais do que se crê, se investe a totalidade da vida, constituem a substância das coisas esperadas…”. A crise financeira de 2008 correspondeu a uma crise de valores e obrigou a entender a esperança que brota da própria crise. “A pobreza, a redução de custos, a limitação do consumo, a contenção dos desperdícios, a aceitação da austeridade têm as suas vantagens. Tornam o homem menos dependente das instituições, da opinião pública, dos vendedores de ilusões” (p.36). Para José Mattoso “é bom acreditar que merece a pena ‘levantar o Céu’ e lembrarmo-nos de que não estamos sozinhos. Felizmente há muitas mulheres e homens neste mundo a tentar unir esforços para manter o contacto entre o Céu e a Terra. É esse o caminho que a sabedoria ensina a percorrer para encontrar a saída do labirinto em que a vida nos coloca”…


1000 Characters left


We thank our sponsors for their kind and generous support:

Logo Jerónimo Martins

Logo Fundação Calouste Gulbenkian

Logo Grupo José de Mello

logo ucp iep lisboa

More Information

more information regarding sponsorships, please click here to access the form.

Please publish modules in offcanvas position.