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Leibniz e Portugal


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Leibniz e Portugal

Do cálculo infinitesimal à monadologia, passando pela política, pela história e pelo direito, o pensador alemão, quase esquecido no momento da sua morte, pôde abrir pistas novas, que a ciência e o pensamento contemporâneos desenvolveram.

Adelino Cardoso Bruno Barreiros
O Labirinto da Harmonia
Estudos sobre Leibniz
BNP, 2016

Guilherme d’Oliveira Martins Guilherme d’Oliveira Martins

Conselho de Administração, Fundação Calouste Gulbenkian; Conselho Editorial, Nova Cidadania

Fernando Gil tinha grande admiração pela filosofia e pela personalidade de Leibniz. E falava com en- tusiasmo desse autêntico inventor do conceito mo- derno de conhecimento e de enciclopédia. Do cálculo infinitesimal à monadologia, passando pela política, pela história e pelo direito, o pensador alemão, quase esquecido no momento da sua morte, pôde abrir pistas novas, que a ciência e o pensamento contemporâneos desenvolveram. Para Fernando Gil, o importante é considerar que se trata de um “filósofo de princípios”, sobretudo preocupado com o trabalho da fundamentação. E é essa perspetiva que permite garantir a perenidade da sua obra e dos desafios que nos lança. Lembrei-me desta genuína admiração ao ler O Labirinto da Harmonia – Estudos sobre Leibniz, uma edição da Biblioteca Nacional de Portugal e do Centro de História d’Aquém e d’Além Mar (CHAM), coordenada por Adelino Cardoso e Bruno Barreiros. Conhecedor da minha predileção pelo filósofo alemão, Adelino Cardoso teve a amabilidade de me enviar o precioso voluminho. Diversos ensaios constituem-no. O fiel ofertante fala-nos do autoquestionamento da mo- dernidade. Marta Mendonça trata das edições da obra. François Duchesneau refere o cientista e o filósofo da ciência. Michel Serfati interroga-se sobre o genial matemático. Wenchao Li fala-nos do projeto de troca de conhecimentos entre a Ásia e a Europa, com especial referência à China. E aqui podemos compreender alguns dos pressupostos que levaram à querela sobre os ritos e à incompreensão relativamente à atitude dos jesuítas no relacionamento com o Império do Meio – e nesse ponto os portugueses são especialmente lembrados. António Braz Teixeira reporta-se, por fim, à recepção do pensamento português rela- tivamente à obra de Leibniz. No conjunto dos temas, o filósofo aparece-nos na riqueza multifacetada da sua obra – sendo impres- sionante a pertinência e a atualidade deste que é um dos autores mais surpreendentes e ricos da história do pensamento.

Leibniz e PortugalGottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716), cujo centenário da morte ocorreu há pouco, é “um dos mais influentes instauradores da modernidade (para Adelino Cardoso) e aquele em que algumas linhas orientadoras da racionalidade moderna são submetidas a forte crítica, abrindo novas possibilidades na construção da modernidade”. Muitos dos seus contemporâneos não compreen- deram, porém, a sua força inovadora – e daí que tenha prevalecido uma certa leitura caricatural, de que o paradigma é o Dr. Pan- gloss no Cândido de Voltaire. No entanto, a modernidade veio a demonstrar que a figura não se adequava ao suposto modelo. Mesmo em Portugal, Leibniz começou por ser visto com desconfiança e depois, pro- gressivamente, tornou-se precursor de um pensamento crítico de crescente influência. Leia-se Martinho de Mendonça de Pina e Proença (1693-1743), o primeiro autor a referir-se ao pensador alemão entre nós. A sua apreciação é animada pelo espírito do tempo, referindo depreciativamente à monadologia. Também Verney pôs reticên- cias ao filósofo. E só o oratoriano Teodoro de Almeida (1722-1804) procedeu a uma análise detida e informada sobre a obra de Leibniz. Em Recreação Filosófica falou do princípio da razão suficiente e da teoria da harmonia pré-estabelecida – referindo-se, contudo, a esta última como “um sistema muito engenhoso, mas não verdadeiro”.

Pode dizer-se que Antero de Quental foi, entre nós, dos que melhor compreenderam as virtualidades do pensamento de Leibniz

Importa ter presente que, ao longo da obra, fica nítido como a harmonia para Leibniz significa “a diversidade compensada pela identidade”. Não estamos diante de uma identidade homogénea, mas de uma realidade que se desdobra infinitamente. “Sob o fundo de uma harmonia invisível (dizem os coordenadores), o que se apre- senta ao olhar de uma inteligência finita é um labirinto imenso com uma infinidade de entradas, quantas as formas diversas que compõem a tessitura do nosso mundo”. E assim a “razão suficiente” leva-nos ao limite da cadeia de razões, já que não se trata de encontrar a razão da harmonia, mas de chegar à complexidade das motivações e dos caminhos. Nesta compreensão, será Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) o primeiro português a tratar a obra de Leibniz de um modo aprofundado – falando de um sistema pluralista de substâncias. Assim, sustentava que para compreender como uma substância atua sobre outra bastaria saber quais as mudanças de cada uma e a respetiva prevalência. Também Amorim Viana (1822-1901), Cunha Seixas (1836-1895) e Antero de Quental (1842-1891) puseram Leibniz em lugar de relevância na sua re- flexão. Amorim Viana partiu da harmonia pré-estabelecida, mas não contrapunha os conceitos de fé e razão, considerando a razão ao lado do sentimento moral e dos mistérios, entendidos estes como verdades que exce- dem a capacidade de entendimento, sem o contrariarem ou a ele se oporem. Cunha Seixas afirmava-se panteísta e concordava com Silvestre e Viana na consideração de que o bem seria a suprema realidade e o mal corresponderia a uma negação. Já Antero de Quental declarava a Jaime Batalha Reis ser a sua filosofia “uma fusão do hegelianismo com a monadologia de Leibniz” (1885), di- zendo a Wilhelm Stork que “a monadologia de Leibniz, convenientemente reformada, presta-se perfeitamente à interpretação do mundo, ao mesmo tempo naturalista e espi- ritualista”. E acrescentava: “o espírito é que é o tipo da realidade; a natureza não é mais do que uma longínqua imitação, um vago arremedo, um símbolo obscuro e imperfeito do espírito” (1887). Assim, a monadologia anteriana era de feição pluralista, distinguindo três regiões no mundo real – matéria, vida e espírito – ordenadas hierarquicamente, tendo cada uma por base a anterior. E foi o “espírito” que ocupou essencialmente Antero, enquanto força consciente, energia simples, autónoma e espontânea – como modo de explicar “todo o sistema de forças em que consiste a natureza, bem como o sentido da evolução, como ascensão dos seres à liberdade, como criação de uma ordem racional, como desdobramento incessante energia moral, uma ação contínua da vontade impulsionada pelo ideal, a realização final do bem”. Pode dizer-se que Antero de Quental foi, entre nós, dos que melhor compreenderam as virtualidades do pensamento de Leibniz, aplicando-o numa perspetiva dinâmica à evolução das sociedades humanas.

Guerra Junqueiro, Sampaio Bruno e Basílio Teles sofreram também, mas diversamente, a influência leibniziana. Enquanto o poeta de Os Simples conciliava o criacionismo com a plenitude divina, o mesmo não se passava com os outros dois, para quem não era possível conciliar a ideia de Deus com a dramática realidade do mal. Leonardo Coimbra foi, porém, o nosso pensador que mais intensamente refletiu sobre a lição de Leibniz. O que ca- racterizava a monadologia era o acréscimo da vida moral e a tradução da liberdade em amor – ou seja, quando uma alma se excede, crescendo em liberdade, adquire maior capacidade de harmonia e beleza. Em suma, o “labirinto imenso” de Leibniz não nos pode ser indiferente.


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